Literatura e sexualidade (e um aviso importante ao fim)

Quando soube que a editora Rocco promoveria em São Paulo o evento Literatura e sexualidade, fiquei interessado no tema, pois claramente trataria de diversidade, assunto sobre o qual tenho lido com certa regularidade para além da tentativa de usar uma linguagem cada vez mais inclusiva, tanto em meus textos traduzidos quanto nos textos que escrevo regularmente aqui e em outros lugares.

No dia da mesa-redonda, que aconteceu na última sexta-feira (26.7.2019), resolvi dar uma olhada na página do evento. Sabia que a colega tradutora Hailey Kaas, mulher trans e ativista (plataforma Transfeminismo), estaria presente e também o escritor Samir Machado de Machado, que ainda não conhecia pessoalmente. E vi que um dos autores da mesa era o norte-americano David Eberschoff, autor de A garota dinamarquesa (trad. de Paulo Reis), que inspirou o filme homônimo do diretor Tom Hooper, estrelado por Eddie Redmayne e Alicia Vikander, que ganhou o Oscar como atriz coadjuvante pelo filme. Quando marquei a confirmação da minha ida ao evento, recebi um comentário da querida Paula Drummond, editora da Rocco: “David é a melhor pessoa, de verdade”. E ela estava certa.

A garota dinamarquesa e o garoto brasileiro

Mediada pela jornalista Raquel Carneiro, da Veja, a mesa Literatura e sexualidade trouxe muita informação e momentos emocionantes, pois a história da vinda de David ao Brasil é bastante incomum. Esse acontecimento se deu por conta de um rapaz de Campo Grande chamado Fabrício Pupo, que começou uma pesquisa sobre A garota dinamarquesa, explorando a questão da diversidade sexual nas escolas do Mato Grosso do Sul. Por estar trabalhando com o livro de Eberschoff, o rapaz escreveu para o autor para explicar seu projeto, inclusive o site que se originou dele, o Transidentidades, que serve como um portal para os projetos de Pupo. O autor se interessou e buscou saber como poderia vir ao Brasil para prestigiar tal projeto.

Com David Eberschoff

Fabrício tinha, à época do início do projeto, 14 anos. Sim, 14 anos. Hoje, aos 16 anos e cursando o ensino médio, ele é bolsista júnior do CNPq e desenvolve projetos sob orientação do prof. Tiago Duque, da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS). Só essa informação já valeu a pena a participação no evento.

Os componentes da mesa contaram suas histórias, trocaram experiências, e muito do que se falou durante a mesa tocou os participantes que lotaram o auditório da Livraria Martins Fontes, na Avenida Paulista, que contou com interpretação simultânea. Eles nos lembraram que, apesar da situação em que nos encontramos no Brasil (e David nos EUA), ainda temos a liberdade de discutir assuntos de tanta importância, mas que são mal vistos por quem hoje nos governa. Os três participantes reforçaram que, com todo o avanço, também há uma tentativa de retrocesso, mas que não vamos nos calar, não voltaremos aos armários, à invisibilidade e ao estado de medo constante de sermos quem somos.

A garota que era garoto que era garota…

Com Samir Machado

Um questionamento que se levantou foi sobre a escolha de um homem cisgênero para representar uma mulher trans no filme, e David explicou que o processo de produção do filme foi bastante complicado, e, por isso, precisavam de um nome que estivesse em evidência para que o filme alcançasse um público maior. No entanto, depois do estouro do filme (e também do livro), David pôde retribuir à comunidade: estão sendo produzidos uma ópera e um musical para contar a história de Lili Elbe, considerada a primeira transsexual a submeter-se à cirurgia de confirmação de gênero (termo corrente que designa a redesignação – ou troca – de sexo), baseados no livro de Eberschoff. E, quando da assinatura do contrato, ele fez duas exigências: a primeira foi que o nome A garota dinamarquesa não fosse alterado, e a segunda que a protagonista em ambas as obras fosse uma mulher trans.

No fim, dois livros

Livro de Samir Machado de Machado. Compre aqui.

Depois do evento, houve sessão de autógrafos com Samir Machado de Machado e David Eberschoff. Finalmente conversei um pouco com Samir, e o papo foi ótimo. Ele autografou Quatro soldados, livro de 2017 que comecei a ler voltando para casa e que já me ganhou pela escrita elegante, as pesquisas históricas e a imaginação. Em seguida, conversei um pouco com David, agradeci pela mesa e comentei que a amiga editora havia dito que ele era a melhor pessoa. Ele não se fez de rogado e retribuiu: “A Paula que é ótima! Tivemos uma pequena entrevista e nos divertimos muito”.

Que possamos ter mais eventos como esse, mais plateias dispostas a conversar sobre literatura e diversidade, mais autores sensíveis como os que compuseram a mesa, mais editoras que olhem com carinho para as questões trans, inclusive para autoras e autores nacionais e internacionais que queira se debruçar sobre o tema. Em tempos como os nossos, falar e ser ouvido é muito importante.

AVISO IMPORTANTE!

A convite das queridas amigas da Pretexto – Traduções & Afins, estarei no dia 29 de agosto de 2019, às 19 horas, na sede da Pretexto, em Copacabana, conversando com participantes da Oficina de Tradução Literária que elas promovem regularmente. A oficina terá quatro encontros (8, 15, 22 e 29.8) e explorará textos traduzidos por mim, numa seleção muito especial feita pelas queridas Débora Fleck e Mariana Serpa. Para saber mais, é só entrar no site do Sympla (neste link aqui) e fazer sua inscrição. Até hoje, 29.7, tem desconto, o querido “early bird”. É rápido e fácil. Espero vocês lá.

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