Saí para votar de camiseta branca e com livro vermelho na mão. Era LTI – A linguagem do Terceiro Reich, de Victor Klemperer (Contexto), em tradução da querida Miriam Oelsner. Escolhi pela cor e pelo que representa Victor Klemperer, filólogo judeu alemão que enfrentou as agruras da Segunda Guerra abraçado com as palavras. Por força da profissão, entendo bem de Segunda Guerra, de Hitler, da Alemanha do pós-guerra, do Muro e de sua queda.
Por medo, não colei no peito os adesivos que tinha na bolsa – Haddad e Manuela 13 e #EleNão da (minha) deputada federal Sâmia Bonfim – até chegar à frente da PUC, na av. da Consolação, onde voto. Por medo de quem hoje se sente autorizado a desautorizar minha existência pela voz de um candidato que não vale a pena mencionar. Votei de livro em punho, abraçado com as palavras de Victor Klemperer, que ecoam o destino de milhões de judeus, ciganos, gays, deficientes, idosos assassinados pelo regime nazista.
E saí da minha zona eleitoral muito rápido. Com os adesivos no peito. Ao subir a Consolação até o metrô Higienópolis, fui parado por dois moradores de ruas que me pediram um cigarro, me perguntaram se eu era gringo e disseram que o candidato que não vale a pena mencionar é um nazista. Um deles disse que até mesmo quem votava no tal candidato enxergou isso e agora está votando 13. Pedi aos deuses que assim fosse, e segui em direção à Paulista. Queria ir a uma livraria, estar entre páginas e páginas de liberdade. Abraçar as palavras que tantos autores escreveram por diversão, por amor à arte, para ganhar dinheiro, por que não? E no caminho…
E no caminho foram muitos abraços sem toque. Abraços no olhar de cada um que encontrava e que comungava comigo o gosto pela democracia. Abraços no sorriso cúmplice de quem está em um caminho de luta e respeito. Abraços nas palavras que se tornaram o mote destas eleições para quem defende com todas as forças o direito de ser quem se é: “Vamos virar!” Desde um rosnado quase raivoso (a raiva também é combustível) do rapaz com quem cruzei no metrô até a voz melodiosa da moça na frente de uma banca de jornal. Na livraria, depois de perambular um pouco, abraçar de fato um colega que lá trabalha, encontrei outros três que estão trabalhando na Mostra de Cinema, dois tradutores e um técnico de projeção, gente querida que tem a arte como ganha-pão. Estamos juntos nessa luta para fazer com que a arte não pereça.
Na volta, mais e mais sorrisos, mais e mais “Vamos virar!”, mais e mais cumplicidade. No ponto de ônibus, passa uma moça de moto vermelha. Capacete vermelho. E uma estrela no peito. Ela olha para mim, vê os adesivos que ainda estão grudados no meu peito, e meneia a cabeça. Eu ergo o braço em saudação, dizendo alto para todos no ponto ouvirem: “Vamos virar!” E dentro do ônibus, um casal de livro na mão sorriu para mim, um casal bonito, apaixonado. É de amor que estamos falando, amor pelos desconhecidos que estão unidos por um ideal tão pungente, tão abrangente que não cabe no coração. Transborda.
Volto para casa com uma sensação boa. Se há esperança na virada? Talvez haja. Mas volto com uma certeza ferrenha que nada nem ninguém, nem uma derrota nas urnas, vai me tirar. A de que estamos abraçados. Juntos para enfrentar o que vier pela frente. Com medo, talvez, mas também com uma alegria de quem está realmente abraçado. Unido pelo bem maior com tanta gente que não cabe no coração. Transborda. Volto para casa com essa certeza, e certo também de que contribui para que cada um voltasse para casa acolhido. Pois estaremos juntos até o fim.
Dia 28.10.2018 será um daqueles dias para não esquecer.
Lindo texto, Petê. Também estou entre o horror e a incredulidade, mas o importante é que não larguemos as mãos nunca, principalmente nos próximos quatro anos. Abraços (e saudades)!