Ouvi o nome de Terézia Mora pela primeira vez quando Das Ungeheuer [O monstro] venceu o Deutscher Bücherpreis, um dos maiores prêmios alemães de literatura, de 2013. E o início do livro tem uma atmosfera sensual e estranha, as palavras muito bem escolhidas, o ritmo bastante apurado. Vejam só:
Ela se curvou sobre ele, seus seios penderam para frente, um cheiro subiu de sua barriga, ele ergueu um pouco a cabeça para ver seu umbigo, uma concha pequena, com uma prega no lado de cima, ele se alegrou pela visão, mas o que lhe interessava de verdade era a continuação, o baixo-ventre que se erguia em um degrauzinho, os pelos pubianos cor de chocolate, mas, justamente aqui algo fica confuso, uma agitação clara atrapalhou a imagem, ao mesmo tempo vozes chegaram barulhando, eram várias, entre elas no mínimo um homem e uma mulher, conversavam e riam, não muito perto, em um espaço vizinho, não se entendia o que falavam e riam, e assim como primeiro a grande alegria (“Aí está você!”) e as preocupações (“Tudo isso é um sonho você não pode pensar se não ele passa”) inundavam Darius Kopp em ondas cada vez mais quentes, agora a fúria bateu, que foi a mais quente, uma batida selvagem lhe subiu à cabeça, marreta sobre placa de metal, infernal, incontrolável: fúria.*
Essas imagens que a autora suscita são fortes, e seguem numa escalada. E assim, esperei alguém muito diferente do que vi no evento que a Casa Guilherme de Almeida organizou junto com o Goethe-Institut com a autora, por ocasião do lançamento de Tododia, livro de 2013 que ganha tradução brasileira lançada pela Nau Editora (trad. Aldo Medeiros). Alguém mais taciturna, talvez? A conversa, mediada por Simone Homem de Mello (CGA) e interpretado pela querida profa. Claudia Dornbusch (FFLCH-USP), foi bastante animada. Terézia é uma mulher interessante, uma contadora de histórias por excelência, tranquila em suas observações, mas com uma ironia fina, muito falante e animada. Em 2018, também foi ganhadora do Georg-Büchner Preis, outro prêmio imenso na Alemanha, que já laureou Ingeborg Bachmann, Thomas Bernhard, Christa Wolf, Günther Grass e Heinrich Böll. O livro vencedor, quem diria, foi de contos: Die Liebe unter Aliens. O evento também contou com a presença do Cônsul-Geral da Alemanha e do Cônsul-Geral da Hungria.
O papo, também inspirado pelo tema do evento TRANSFUSÃO que a CGA abrigará daqui a pouco – Tradução e deslocamento –, foi da infância de Mora, suas influências, sua vida como tradutora de húngaros contemporâneos. Em um momento, que achei muito certeiro, ela respondeu à pergunta de Simone sobre conciliar escrita e tradução: “Escrever dói. Dói muito. Em geral, escrevo pela manhã, e esse processo é bastante dolorido. Quando tenho alguma tradução para fazer, fico feliz, pois trabalhar no texto do outro vira o ponto alto do meu dia. Como disse um tradutor que conheci, a tradução é uma escrita com prazer, pois o texto já vem pronto”.
Que Todo dia tenha muito sucesso no Brasil, e que outras obras de Terézia Mora desembarquem por aqui.
* Tradução livre minha.