Escrevi no LinkedIn sobre um caso que rolou no Twitter de empáfia profissional e reações adversas, e resolvi retomar a escrita no blog com esse assunto, pois, apesar de a discussão ter rendido bastante lá, acredito que um texto com um pouco mais de espaço – fora de uma rede social, dentro de um ambiente menos imediatista – pode gerar interesse também de um público maior. Para quem quiser ler o resumo e dar uma olhada na discussão que a postagem gerou nos comentários, basta clicar aqui.
Isso posto, vamos ao caso: um revisor foi para o Instagram criticar de forma “engraçadona” e bastante arrogante o trabalho não apenas de tradução, mas também supostos equívocos de um autor, que também é um artista imensamente famoso de outra área, atribuindo esses problemas ao consumo de entorpecentes pelo autor da autobiografia. Considerando apenas essa primeira parte, já teríamos muito pano para mangas, vestidos, cortinas e que tais. Mas o engraçadão não parou por aí, ele conseguiu superar seu delírio: também afirmou que “reescreveu” tudo aquilo que o autor supostamente drogado havia feito de besteira no próprio texto, ou seja, desrespeitou uma premissa básica de quem trabalha com o texto alheio – ele é alheio.
A gente vai interferir no texto alheio quando é necessário para que ele fique mais claro, mais atraente, mais vendável, mais correto (quando esse for o desejo do autor/editora), não simplesmente porque nos dá na telha. Aqui deixei tudo em belas palavras, mas o revisor não foi nada lisonjeiro em sua postagem e nos comentários à postagem. A reação do público foi bastante dura, até mesmo virulenta, contra o revisor, que viu sua maré indo de 100 a 0 em questão de horas. Inclusive, todo esse imbróglio obrigou a editora a redigir e publicar, em pleno domingo, uma nota explicando a situação (que obviamente foi bastante diferente daquela descrita pelo revisor). Imagine a felicidade de quem teve que interromper seu descanso para apagar esse incêndio?
Nenhum autor está livre de cometer equívocos mais ou menos conscientes. Cabe a nós, pessoas tradutoras, quando necessário, chamar a atenção desses problemas com uma nota de rodapé ou uma nota de tradução no início do texto se nos for solicitado (ou quando sentirmos que é melhor oferecer essa opção a quem editar o livro). Se nós, que estamos em uma das pontas do processo, não temos o direito de “meter o bedelho” no texto alheio a ponto de mudar tudo, que dirá uma pessoa revisora, que está ali para corrigir o texto, verificar as falhas, informar ao editor das decisões de quem traduziu e que não condizem com o estilo do autor, enfim, fazer um trabalho de revisão, e não de tradução, do texto.
Uma das participantes da discussão comentou que, certa vez, comentaram com ela o seguinte: “Quando perceber erros no livro de uma editora, faça uma revisão e envie por e-mail, oferecendo seus serviços”. Disse para ela que não acho essa atitude a mais acertada, visto que um livro publicado já passou pelo processo editorial todo, com profissionais escolhidos pela editora e, de alguma forma, chancelados por ela. Ainda que haja erros, a editora pode muito bem se ofender – então, a melhor tática é mostrar que conhece o catálogo da editora e oferecer os serviços como uma pessoa que admira e respeita antes de mais nada. Erros todos cometemos, e talvez seja o maior defeito de quem trabalha com texto: achar que sabe tudo sempre, que seu trabalho é imaculado por saber de cor meia dúzia de orações subordinadas e usar a crase direito. O trabalho com o texto vai muitíssimo além disso.
E aqui fica uma das muitas lições que uma situação dessa pode trazer: quer divulgar seu trabalho? Faça de forma consciente, sem afetação, com firmeza, mas sem empáfia, pois quase ninguém gosta dessa atitude.