Como muitos sabem, passei grande parte da minha vida como tradutor – ou trabalhando com áreas relacionadas à tradução – lidando com texto mais técnicos, em especial na área jurídica, que ainda aprecio bastante, mas pelas voltas e reviravoltas da vida não faz mais parte do meu dia a dia. Apesar de ter me servido bem para traduzir um livro ou outro, o conhecimento do jargão jurídico-comercial não me acompanha diariamente há alguns anos, desde que saí do meu último emprego em uma grande agência de tradução.
Mas eu gostava muito dessa área. Gostava de compreender os maneirismos da linguagem jurídica, estudar leis e textos que embasavam a área contratual, descobrir formas novas de dizer a mesma coisa (como o título do livro de Umberto Eco, Quase a mesma coisa, traduzido por Eliana Aguiar para a Editora Record), aprender que muitas daquelas frases faziam parte de uma tradição, os chamados “termos cristalizados”, enxergar estruturas e a importância de um texto claro e preciso, em que qualquer falha leva a interpretações equivocadas e, até mesmo, a problemas sérios para o cliente final da tradução.
No entanto, como já comentei, a vida virou e revirou, e cá estou eu traduzindo livros. Por gosto, mais que por qualquer outra coisa. Se eu disser que hoje ganho muito mais do que ganhava na época das traduções técnicas, estarei mentindo. Talvez o mesmo, às vezes um pouco mais, mas também trabalho muito mais para manter as contas em dia, sem prejudicar a qualidade do meu trabalho, o que é mais importante. E como eu me delicio com esse trabalho. Vai além do gostar da tradução técnica. É um amor, um carinho e um cuidado que talvez eu não tivesse lá atrás, quando ainda dava os primeiros passos na profissão.
Agora, quase chegando à adolescência profissional na tradução editorial (há quem diga que já sou adulto, mas prefiro ainda me ver como um jovenzinho, aprendendo todos os dias alguma coisa), percebo que é um amor que só faz crescer, nunca diminuir. Tem texto chato, tradução que é mais pesada, menos gostosa do que outra, mas saber que vou acompanhar o renascimento daquela obra no meu idioma dá um prazer danado.
E tem gente que não vê assim, normal. Tem gente que não se vê preso a um projeto por meses, às vezes ano. Que não se importa com o que os tradutores editoriais se importam. E vice-versa. São tipos distintos de tradução, mas nenhum mais importante, melhor que o outro. Como disse em um post feito para o Ponte de Letras, a tradução técnica é um voo guiado, a editorial um voo livre. Não que para uma seja necessária menos imaginação que outra – tente traduzir um manual escrito por um engenheiro chinês em inglês. Haja imaginação! Mas são distintas.
Por isso, quando me perguntam se eu voltaria a traduzir textos técnicos, eu respondo que sim. Talvez não por vontade própria, mas se me oferecem um texto mais técnico – como às vezes acontece –, eu aceito de bom grado. E afio ainda mais minhas ferramentas, pois para um tradutor não existe nada que não se aproveite, tudo um dia pode servir para melhorar um texto.
E é de textos melhores que precisamos.