O livro venceu seus desafios e não vemos como, para o mesmo uso, poderíamos fazer algo melhor que o próprio livro. Talvez ele evolua em seus componentes, talvez as páginas não sejam mais de papel. Mas ele permanecerá o que é.
— Umberto Eco*
Tive um Kobo — ah, adorado Kobo — por quase dois anos. Eu, um apaixonado pelo papel, me rendi um belo dia aos e-readers, e-books e a todo um novo mundo de leitura. Mas que era o mesmo. Talvez por isso minha resistência tenha sido tão pouca: sou um louco por tecnologia, amo tudo que pisca, brilha e faz barulhinho, mas que tenha uma utilidade. Hoje estou muito melhor, mas antigamente eu não podia ver um lançamento de celular/computador/impressora etc. etc. que já queria. Hoje sou menos maluco, mas ainda assim gosto de estar por dentro de tendências de tecnologia.
E quando a tecnologia chegou aos livros, não demorou muito até que eu me rendesse.
E nessa minha capitulação, eu tinha apenas uma birra: o Kindle, o leitor eletrônico da Amazon. Achava feio. Achava chato. Achava castrador. O fato de aceitar apenas o formato AZW e afins fazia com que eu ficasse meio de bode com o bicho. Nada contra proteção de tecnologia — que protege pouquíssimo, diga-se de passagem — , mas para mim aquilo era demais. E por isso abracei o Kobo e toda a sua suposta liberdade de uma vez.
E ele era lindo, o meu Kobo. Eu gostava muito.
Várias pessoas me diziam que a experiência com o Kindle era muito mais completa. Em termos de iluminação, por exemplo, ou de nitidez das letras no e-Paper, as possibilidades com o Kindle Unlimited, essa novidade assustadora de ter uma espécie de Netflix dos livros a um preço módico. Nem todas esses atrativos me demoviam da ideia de que ter liberdade era melhor que todas essas qualidades.
Até que perdi o Kobo. Numa viagem de avião, deixei no bolsão da poltrona. Procurei, revirei, liguei para a empresa aérea e nada. Perdido. Com minha capinha “sleep cover” azul calcinha e o adesivo “Love Your Translator” que eu tanto amava. Fiquei chateado. O Kobo estava velhinho, travava de vez em quando, mas era pau para toda obra. Nele havia muitos, muitos livros. Lidos. Não lidos. Minha biblioteca portátil. Também tinham meus prêmios da “Reading Life”, minhas estatísticas de leitura. E os artigos do Pocket que eu guardara com tanto carinho para ler um dia, quem sabe? Alguém levou para casa, se apossou na maior cara de pau. Fazer o quê?
Decidi voltar às leituras tradicionais, no papel. Fiquei um mês assim, lendo, lendo. Voltei a tomar gosto. Mas faltava alguma coisa. Faltava um aparelhinho para chamar de meu e levar meus livros para cima e para baixo, para fazer consultas rápidas e anotações ligeiras, para emprestar ao sobrinho na praia quando ele estivesse entediado, enfim, ficou uma lacuna tecnológica no peito.
E veio a promoção da Amazon — 100 reais a menos no preço do aparelho — , veio a tentação e… kindlei. Já tinha usado o serviço no computador e no celular, achava o Kindle for iPhone bem prático, cheguei até a comprar alguns livros para o dispositivo. Mas não gostava. Capitulei pela questão econômica, mas já comecei a gostar do bichinho. Antes mesmo de chegar, ele já estava registrado no meu nome, com número de série, e-mail específico para o serviço Send to Kindle etc. O serviço de atendimento telefônico foi muito útil e gentil — apesar de ter sido um estrangeiro com um português sofrível que me atendeu, consegui entender tudo que ele me disse. E vejo que as possibilidades em termos de livro do Kindle são as mesmas, se não maiores que as do Kobo.
Agora posso desfrutar dos livros da gigante americana que já tinha e de outros livros — Calibre é uma mão na roda essas horas — sem culpa. Amanhã ele chega, segundo o rastreamento da transportadora. Logo eu posto aqui minhas primeiras aventuras — e impressões — do meu novo e-reader. Mas uma coisa é certa: estou como criança que ganhou brinquedo novo. 😀
* Umberto Eco e Jean-Claude Carrière. Não contem com o fim do livro. Trad. André Telles. Ed. Record, 2010.