Escolhas

A lâmina reluziu.

O guerreiro avançou contra o inimigo. Desviou do trotar do cavalo e, com a espada, conseguiu lanhar a perna da montaria, que caiu, lançando longe o algoz. Atordoado, o inimigo levantou-se devagar, cambaleante, tentando localizar o guerreiro. E quando o viu já era tarde.

A lâmina da espada, afiada dezenas de vezes antes da batalha, zuniu. Quando se cravou na barriga  do inimigo, lacerando sua carne, partindo camadas de pele e músculos num corte quase cirúrgico, estalou baixinho como um sussurro em meio aos gritos dos outros guerreiros que se amontoavam numa batalha ferina.

Com um sorriso, o guerreiro assistiu ao cambalear do inimigo para trás, as mãos postas sob o ventre, tentando estancar o riacho largo de sangue que escorria do ferimento. No mesmo instante, um sentimento estranho tomou o peito do guerreiro. Já sentira aquilo antes, uma espécie de angústia, mas naquele momento foi mais forte. Os olhos arregalados do inimigo lhe diziam muitas coisas, muito além do grito rouco em meio a golfadas de sangue. Aquela visão ergueu-se como um fantasma do túmulo de tantos outros oponentes que havia derrotado e assassinado, e cada um deles se transformara num espírito que rodeava a cabeça do guerreiro.

O guerreiro não gostava de matar. Mas aquele era o seu destino.

Os pensamentos o atingiram como uma onda gigantesca, espumante. O atordoamento foi inevitável. Aquele inimigo era um símbolo, muito forte e presente, do que fora sua vida até aquele momento. Conquistar território, obedecer ao general, torturar, matar. Não tinha prazer nenhum com aquilo tudo. Mas não havia como fugir de sua sina.

E as famílias? E todos aqueles a quem os guerreiros que matara sustentavam com espólios de conquistas? Todo o choro e desespero maculavam sua história, atormentavam seu sono e preenchiam seus sonhos. Espectros do sangue que escorreram de sua espada, que azeitaram a lâmina dezenas de vezes.

E o guerreiro cambaleou com tantos pensamentos que giravam, insanos, deixando o guerreiro transido de desespero. Num rompante, decidiu: nunca mais minha espada beberá sangue. Era a decisão mais clara em sua vida, abandonaria o exército do reino e viraria um eremita, se afastaria do mundo para resolver com todos os fantasmas as pendências que acumulara até então.

Nesse segundo de hesitação e firmeza que abria um futuro muito diferente para o guerreiro, outra lâmina reluziu…

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