Suspiro

Ela parou por um instante na rua. Tontura, falta de ar, cidade grande, tanto barulho. Os olhos fecharam-se por reflexo. Só um segundo, na minha idade, só um segundo…

Quando abriu os olhos, uma fera imensa estava diante dela. Rugia forte, a baba escorria entre os dentes pontudos e irregulares. Os olhos injetados, quatro no total, refletiam sua imagem. Ou melhor, a imagem de uma moça de uns trinta anos. Era ela com trinta anos, uma maça na mão, uma roupa estranha.

Estou delirando.

Mal acabou o pensamento, teve de saltar para trás, fugindo da pata imensa do monstro que queria atingi-la. Um salto, esquiva, e resolveu atacar, como por instinto, e acertou um golpe com a maça que fez sangue espirrar, espesso, sobre todo o seu braço.

O que eu tô fazendo?

Num pulo, subiu pelo braço do bicho imenso, afastando os pelo eriçados do animal até chegar aos ombros. Percebeu que a fera tinha amarras ao redor da cabeça, como rédeas. Quando olhou para trás, outros homens e mulheres derrubavam feras parecidas e acenavam para ela, perguntando numa língua estranha se ela estava bem. E ela respondeu. Na mesma língua estranha.

As rédeas. A língua. Entendi tudo. Onde estou?

Prendendo a maça no cinturão, ela esticou os braços e agarrou as rédeas do animal imenso. Um novo urro e a monstruosidade deitou-se, como se rendido.

— A senhora está bem? — perguntou a mocinha. — Vi quando a senhora parou e fechou os olhos, atravessei a rua correndo, pensei que ia desmaiar.

— Ah, tudo bem, minha filha, tudo bem. Na minha idade é normal ter uma tonturinha. Setenta e cinco, tenho setenta e cinco…

E voltou a caminhar, ajeitando a bolsa, passando lentamente a mão pelos cabelos. Tentando lembrar aonde precisava ir.

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