Em algum momento, todos seremos alvos de críticas. A crítica (erroneamente entendida de forma negativa na maioria dos casos) é um instrumento excelente de calibragem das nossas aptidões. O objetivo dela é fazer com que o leitor e o responsável pelo texto repense decisões, analise acertos, corrija erros, enfim, melhore e se aperfeiçoe para a próxima empreitada. O crítico é uma figura que costuma ter um sentido bem aguçado para aquilo que ele considera não estar bom, e o bom crítico também sabe quando fazer uma nota positiva, elogiar, fazer com que o criticado repare no lado bom e no lado ruim do que fez.
E isso é extremamente positivo. Palmas para os bons críticos, que fazem com que nosso trabalho melhore a cada dia.
Porém, o advento das redes sociais formou um exército de críticos. De todos os tipos. Mas o mais comum, aquele que há de sobra, assemelha-se muito a outro tipo bastante conhecido: o crítico de futebol.
Imaginem comigo a cena: o cara joga futebol a cada quinze dias, é um torcedor fanático do time, sabe toda a escalação desde a fundação do clube e, por isso, acredita que pode criticar o técnico que vive, respira e ganha a vida treinando, escalando e rearranjando o time para vencer o campeonato. Erros acontecem, problemas de entrosamento, jogadores contundidos, azar. O time perde. E aí o cara desanca o técnico, a equipe, e acha que, se ele estivesse como cabeça do time, as coisas seriam muito melhores.
Ledo engano.
E na tradução não é diferente. O cara acha que sabe o idioma. Ou até sabe e muito bem. Lê um livro em português. Aí encontra uma frase que ele “acha” que não pode ser daquele jeito. O que ele faz? Desanca o tradutor, solta aos quatro ventos que o cara é um incompetente, ou, pior, faz apenas insinuações de que “tem alguma coisa muito errada” com a tradução do fulano. Sem nenhum entendimento profundo, sem ter contato ou acesso ao original, ele, que estudou o idioma, pensa que traduzir é a mesma coisa: sei o idioma, pego aquele montão de palavra que está na língua estrangeira e reproduzo na língua portuguesa. Se as palavras não estão do jeito que ele acha que devem estar (ou seja, como estão no original), está errado, só pode estar.
Ledo engano novamente.
Quem lida com tradução sabe que de simples não tem nada. Que há diversos condicionantes e outros parâmetros que a deixam extremamente subjetiva. Se há erros? Nossa, como há! Até naquelas traduções que pensamos estar perfeitas podemos tropeçar numa inadequação, numa falta de ajuste, numa pontuação errada. Lobato já falava sobre os “sacis”, os erros que só se mostram depois que o livro está impresso, saltando em qualquer página que abramos. Todos estamos sujeitos ao erro. Mas ninguém merece ser metralhado porque errou.
E o que fazer quando algum tradutor tem seu nome jogado na lama sem direito de defesa?
O primeiro passo, na minha opinião, é tentar verificar o que está sendo criticado. Faz sentido? É mesmo um problema de tradução? Esse ponto supostamente equivocado atrapalha a compreensão do todo? É possível ter acesso ao original para comparar com a crítica e ver se procede? O livro passa por muitas mãos, o processo é bem longo até que chegue às prateleiras, e muitas vezes o texto que saiu da máquina do tradutor é ligeiramente (ou bem) diferente do texto que chega à livraria, por vários motivos. Neste texto, não vamos discutir essa questão. Podemos conversar sobre isso depois. Mas é o que acontece.
Segundo passo: chamar à razão o autor da crítica e aqueles que a aplaudiram. Temos que nos posicionar quando um colega enfrenta uma crítica dura, e com mais veemência ainda quando a crítica é totalmente infundada. A tradução ainda é vista por muitas pessoas como “um mal necessário”, o que é triste. Para criticar, é preciso entender do riscado, ou ao menos ter uma noção (caso no qual também é necessário ter cuidado ao criticar). Não que todos tenham que ser tradutores para avaliar se uma tradução está boa ou não, mas é necessário ter o mínimo de bom senso. Será que minha crítica tem fundamento? Tenho acúmulo de leituras e experiência suficiente para atacar um tradutor sem ter em mãos o texto original e saber como correu o processo editorial? Alguns erros são óbvios. Outros nem tanto. E aí é que mora o perigo.
E o passo zero para todo tradutor é estudar. Estar em contato com teorias, discussões e com a história da tradução. Ter mais autocrítica que crítica. Saber como defender suas escolhas e decisões com todo o ferramental que puder. Tradução é escolha e, por esse motivo, sempre dá certo aquele velho truque: dê o mesmo parágrafo a dois tradutores diferentes e você terá duas traduções diferentes. Provavelmente chegarão ao mesmo lugar, mas possivelmente tomarão caminhos muito diversos. Mesmo que ambos estejam corretos, não serão iguais. Na tradução literária, saber escolher é um dos trunfos do bom tradutor, o que o diferencia dos demais.
Particularmente, sou um grande fã da boa crítica, mesmo que ela não seja tão favorável assim. Fico chateado quando algum erro é apontado, claro, mas comigo. Ao mesmo tempo, quando recebo uma crítica negativa, aumenta ainda mais minha vontade de acertar, de correr atrás do que não sei, sanar dúvidas, dirimir problemas, resolver o que precisa ser resolvido. Quando vem a crítica positiva, fico muito feliz, mas ainda com aquela certeza de que dá para melhorar, sempre. A boa crítica, no fim das contas, é o que nos faz avançar. Ao contrário da crítica infundada, que de bom não traz nada, muito pelo contrário. E é dela que devemos nos defender e frente a ela que precisamos nos posicionar.
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