Por Leonardo Pereira
Imagine se Hitler acordasse em 2011 e tentasse viver na sociedade contemporânea governada pela mídia? EscritorTimur Vermes idealizou esta sátira
É complicado. A literatura está atulhada de referências ao mal que Adolf Hitler causou à humanidade e bastam apenas cerca de 300 páginas para te fazer rir de tudo aquilo. Pior: Ele está de volta ainda abre espaço para que situações novas sejam encaixadas em velhos preconceitos e, mesmo assim, o leitor às vezes fica sem escolha a não ser… rir. Mas complicação é algo que Timur Vermes sem dúvida sabia que encontraria quando decidiu escrever seu primeiro romance assinado, ainda mais porque ele mesmo, um alemão de Nuremberg, conhece de perto o que Hitler desencadeou.
Imagine que, em 2011, o principal ator da Segunda Guerra Mundial acorda em um terreno baldio de Berlim como se o dia anterior fosse 30 de abril de 1945, quando tirou a própria vida em um bunker daquela cidade. Ele veste seu uniforme completo, que cheira a combustível, e sente uma forte dor de cabeça, indicações de que a história continua a mesma: há mais de 60 anos Hitler de fato se matou com um tiro e depois teve o corpo queimado.
O livro segue com o próprio “Sr. Hitler” – como é chamado – narrando os acontecimentos, deixando bem claro que ele está mais estranhado com a situação do que os alemães que topam com ele. Isso porque todos o veem como um ator que nunca sai do personagem, o que facilita a escalada do ex-chanceler em busca do que perdeu quando “dormiu” em 1945: poder. O fato de ninguém jamais ter visto alguém interpretar esse personagem tão bem facilita as coisas, por isso ele conquista espaço em um programa televisivo de comédia e, graças ao YouTube, acaba ganhando fama meteórica.
Genericamente falando, o mundo não gosta de Hitler, só que o livro te faz não só gostar, como também torcer para que ele se dê bem em sua empreitada. Por isso abri o texto com um “É complicado”. Ninguém quer concordar comAdolf Hitler, mas Vermes força o leitor a sentir carisma pelo personagem, fazendo com que você se compadeça com a ingenuidade de um homem de 57 anos que não faz ideia do que é internet e ao mesmo tempo ria de constatações cruéis mas que se tornam óbvias quando se leva em conta de quem estamos falando. Por exemplo, no momento em que ele entende que deveria criar uma fonte própria e percebe que isso não daria certo:
Me dei conta de que, em pouco tempo, os gráficos, nas empresas de impressão, discutiriam se aplicariam o texto em ‘Hitler negrito duplo’, por isso, desisti da ideia.
Em outro trecho, quando a produtora esclarece que, para que as coisas dessem certo, precisaria ficar claro que “o tema ‘judeus’ não tem graça alguma”, Hitler concorda com ela “quase aliviado” e pensa consigo mesmo: “Ali estava alguém que finalmente sabia do que estava falando.”
Em alguns momentos a narrativa se torna maçante por conter passagens longas em que Hitler descreve com incredulidade coisas que, talvez, sejam até mais velhas do que o leitor, mas Ele está de volta vale a pena ser lido porque não é só uma comédia vazia, o livro também critica a forma como a sociedade está disposta a abraçar qualquer coisa que faça sucesso na internet, mesmo quando o homem por trás disso se esforce para mostrar que seus discursos xenofóbicos são sérios. E a imprensa também leva bordoadas, sobra até para a fixação das pessoas com os smartphones.
Por causa dessa mistura polêmica de humor com história, comparo a obra com O Cordeiro – O Evangelho segundo Biff, o brother de infância de Jesus Cristo, de Christopher Moore, cujo título leva o leitor a entender logo de cara do que se trata – a mesma coisa que acontece na capa do livro de Timur Vermes, com o penteado e o bigode característicos de Hitler. É um livro para fazer rir e pensar, mas principalmente rir.
Fonte: http://www.iba.com.br/blog/iba/2014/07/resenha-ele-esta-de-volta/