Jornalista alemão passou 40 dias sem mentir e quase perdeu todos os relacionamentos
por Guilherme Pavarin
A cena é comum entre os casais que vão a lojas de roupas: a mulher, apertando a cintura, sai do provador e pergunta se está gorda. É uma questão simples ao cérebro masculino: caso queira manter a relação, a única resposta possível é um elogio que pareça natural. Mas em um shopping de Munique, ano passado, o jornalista alemão Jürgen Schmieder, 31 anos, contrariou as convenções. “Sua bunda parece muito grande”, respondeu para a esposa. Grosseria? Pode ser, mas com fundo científico.
Schmieder participava do desafio de ficar 40 dias sem contar mentiras para escrever uma grande reportagem sobre sua experiência para o jornal Süddeutsche Zeitung. “Eu estava desligando os filtros do meu cérebro e dizendo tudo o que passava pela minha cabeça”, diz. O resultado foi catastrófico. Além de dormir 7 noites no sofá, apanhou porque denunciou a “escapada” de um amigo, perdeu colegas por revelar quem achava incompetente e, isolado, quase entrou em depressão.
O jornalista comprovou um estudo de 1997 da Universidade da Califórnia do Sul, que afirmava que o ser humano mente, em média, 200 vezes ao dia. “A questão não é deixar ou não de mentir, mas sim de quantas mentiras precisamos”, diz Schmieder, que reuniu as experiências no livro Sincero (Record), lançamento no Brasil. Para ele, precisamos de 50 mentiras diárias, aquelas diplomáticas, feitas para incentivar as pessoas ou não ferir alguém, como quando se diz a um péssimo aluno de matemática que ele irá bem no teste de cálculo. Já as mentiras que contamos a nós mesmos para nos livrar de responsabilidades ou nos sentirmos superiores a outros devem ser descartadas. A longo prazo, diz Schmieder, elas fazem você tão solitário quanto quem só fala a verdade. Leia entrevista com o autor:
Qual foi a parte mais difícil no projeto?
A parte mais difícil foi ser honesto com minha mulher em cada aspecto da nossa vida diária. Quando ela veio até em casa do cabelereiro, por exemplo, eu disse: “Não gostei do seu corte de cabelo!” Coisas como essa machucaram-na e fizeram com que eu dormisse 7 noites no sofá durante o projeto. Mas minha esposa e eu aprendemos que, sendo muito sinceros, não queremos ferir um ao outro e sim ajudar um ao outro. Agora estamos sendo completamente honestos e dizemos tudo. Às vezes outras pessoas pensam que somos malucos porque somos muito honestos um com outro. Mas nós estamos mais felizes e eu posso aconselhar todos os casais: seja sincero. Isso pode ser difícil no começo, mas a longo prazo os ajudará muito.
Você costumava refletir antes de mentir? Isto é, quando se sentia tomado por um sentimento negativo, como frustração ou inveja, falava a verdade mesmo assim?
No período que antecedeu o projeto, sempre refleti antes de mentir. Pensava: “Como eu diria isso para essa pessoa? Quais palavras escolherei para outra pessoa não achar que estou mentindo?” Acho que é esse o motivo que fez Abraham Lincoln ter dito: “Não minto porque meu cérebro é muito pequeno para memorizar todas essas mentiras”. Quando comecei o projeto, eu estava basicamente desligando meu cérebro e dizendo tudo que passava pela minha cabeça. Quando eu me sentia frustrado, dizia para todos que estava frustrado. Quando eu invejava alguém, eu apenas dizia a eles. E quando eu pensava que outra pessoa era um imbecil, eu apenas dizia: “Ei, você é um imbecil!”.
Você diz no seu livro que há uma grande diferença entre ser sincero e dizer a verdade. Qual é?
A diferença é que a verdade é mais objetiva. Quando eu digo: “Espanha é a campeã mundial de futebol”, então isso é verdade, já que pode ser mensurado porque eles venceram a Copa do Mundo, um torneio. Ser sincero pode ser muito subjetivo e envolve julgamentos. Se eu disser “Ronaldinho é o melhor jogador de futebol do mundo”, posso estar sendo sincero pelo fato de eu pensar desse jeito. Mas outra pessoa pode dizer: “Não, o melhor é Lionel Messi”. Ele pode também estar sendo sincero. Mas qual é a verdade? Então, acho que ser sincero é muito mais fácil porque você precisa dizer apenas o que está em sua cabeça e qual é sua opinião. Dizer a verdade é mais difícil porque, na maioria das situações, podemos perguntar qual é a verdade, entrando numa discussão profunda. Acho que, para a sociedade, toda pessoa deveria tentar ser o mais sincero possível e também sempre almejar a verdade – porque somente se fizermos isso, nós podemos confiar um nos outros. E acho que confiar um no outro é uma das coisas mais importantes na sociedade. Veja na sua revista: se o leitor não confiar em você, ele pararia de comprar – então é melhor escrever a verdade.
Pode deixar. E quais mentiras você ainda conta a outros? Poderia dar exemplos de algumas?
Parei de contar mentiras que poderiam machucar outras pessoas. Ainda digo mentiras que acho que ajudam outras pessoas. Quando um colega me dá um texto ruim, não digo a ele: “Esse texto é horrível”, mesmo que eu ache. Minto para ele e tento trabalhar com ele para tornar o texto melhor.
Quando as mentiras são boas e quando são terríveis?
Creio que mentiras são boas quando ninguém se fere e quando traz algo bom para uma pessoa. Um exemplo: minha sobrinha é péssima em matemática. Mas no dia anterior ao exame, eu disse a ela: “Você estudou um monte, está bem preparada e irá passar no teste!” Disse isso mesmo achando que ela fosse falhar. Mas contando essa mentira a ela para que se sentisse bem, confiante, talvez tenha sido determinante para ela ter passado no teste. Isso penso ser uma boa mentira. A mentira ruim é quando alguém sai ferido. Quando você vende seus carros usados sabendo que os freios não funcionam só para conseguir dinheiro extra, isso é uma mentira horrorosa. Você pode dizer a si mesmo: “ótimo, eu tenho dinheiro extra e agora posso comprar algo bom para minha esposa!” Mas pense sobre a outra pessoa envolvida, o comprador. Ele pode dirigir com seus três filhos sem saber do freio dos carros e ter um acidente terrível só porque você mentiu para ele. É uma mentira terrível.
Você acha que auto-ilusão é sempre uma coisa ruim?
Auto-ilusão é algo bom a se fazer para se sentir confortável sobre si mesmo. Nós todos fazemos isso e não é tão ruim assim. O lado ruim disso é: às vezes pensamos que somos melhores do que outros. Mas na realidade não somos. Temos que ser bem cautelosos com a auto-ilusão.
O que você descobriu sobre você mesmo nessa experiência?
Descobri que eu dizia uma série de mentiras para outras pessoas que não eram necessárias. Também descobri que, num período curto, você pode ter uma vida melhor porque você mente um monte. Mas a longo prazo, acho que ser sincero é o melhor a se fazer porque pessoas confiam em você quando são sinceras com elas. Também percebi que não sou aquela pessoa perfeita que achei que era. Aprendi que tenho uma série de defeitos que eu preciso trabalhar neles. Eu fui sincero comigo e percebi: tenho que mudar.
Há mentiras essenciais para a sociedade?
Acho que algumas mentiras são essenciais porque nós estamos acostumados com o conceito de mentira. Nós todos mentimos 200 vezes por dia e somos enganados 200 vezes por outras pessoas. Acho que diplomacia é essencial para a sociedade. Bons elogios, ainda que não totalmente verdadeiros, não são coisas ruins. Mas nós realmente temos que pensar sobre as conseqüências de nossas mentiras.
Consegue imaginar como seria o mundo se todos os humanos fizessem como você e nunca mais mentissem? Como seria isso?
Acho que pelo fato de estarmos tão acostumados a mentir seria um cenário horrível. Pessoas odiariam umas as outras e brigariam também. Talvez haveria mais guerras. Só imagine se políticos fossem forçados para sempre dizer a verdade. Acho que teríamos uma grande guerra em poucos dias. Acho que a grande questão não é se devemos parar de mentir. A questão é quantas mentiras realmente precisamos. Durante meu projeto, descobri que não precisamos de mais de 50 por dia. E eu acredito mesmo que cada pessoa deveria tentar ser mais sincera.
Qual foi o episódio mais embaraçoso da jornada?
A situação mais embaraçosa foi quando um colega de trabalho me deu uma lista de questões como: “Quanto você ganha? Você acha que poderia ser o chefe da companhia?” E a mais embaraçosa questão: “Quem você demitiria se fosse o chefe?” Respondi cada questão honestamente – e então o colega copiou minhas respostas para toda a companhia. Agora todo mundo sabe o meu salário, o que eu penso dos outros e quem eu demitiria. É muito constrangedor olhar nos olhos dessas pessoas.
Já mentiu para um entrevistador?
Sim, uma vez. Conheci um entrevistador que eu não gostava muito – mas ele trabalhava para um jornal famoso, então eu disse: “Muito bom conhecer você!” Mas nessa entrevista, eu não gostei de nada!
Então posso dizer que você foi totalmente sincero nessa entrevista?
Sim. E eu vou terminar assim também. Posso dizer a você, com sinceridade: amo o Brasil e realmente espero que eu possa visitar para a Copa do Mundo de 2014. Mas quero mesmo que a Alemanha seja campeã.
Revista Galileu – http://revistagalileu.globo.com/Revista/Common/0,,EMI241709-17770,00.html