Nunca gostei do meu cabelo. Minto, passei a não gostar dele quando algo de estranho aconteceu com ele. Tinha de seis para sete anos e pela primeira vez fui ao barbeiro cortar o cabelo. Antes disso minha mãe cuidava dos meus cachinhos, era uma coisa meio indiozinho, meio anjo, um cabelo bem pretinho que caía e balançava ao lado das minhas orelhas. Até que chegou o momento de eu enfrentar a cadeira do barbeiro e por um momento pensei que ele faria minha barba, como meu pai fazia, como meu irmão estava prestes a começar a fazer. Eu, caçula, aguentava firme os puxões de cabelo do meu irmão mais velho, mas quase não aguentei quando sentei na cadeira de couro vermelho com um banquinho em cima para “dar altura”, como dizia o barbeiro.
Então veio aquele corte quase militar. Cabelinhos para o lado, pezinho feito, tudo nos conformes. A partir daí não havia quem desse jeito naquele cabelo carapinha e eu amaldiçoava o barbeiro que havia estragado aquilo que tanto me deixava feliz, um dos meus brinquedos prediletos. Até que comecei a estudar ciências, as mudanças hormonais e a adolescência sempre devastadora. Entre outras coisas, o cabelo ficou bem crespo e eu insistia nos cortes que me deixavam com cara de cotonete. Ou de palito de fósforo. Até que chegou o vestibular, a entrada na faculdade e os amigos que cuidaram para que não sobrasse nenhum fio na minha cabeça. Ficar careca me rendeu ser pintado na faculdade com batom
24 horas e muita gente pensar que eu havia sofrido uma operação no cérebro. Depois disso, nunca mais deixei crescer a ponto de fazer cachinhos, mas percebi ao menos que eles ficaram um pouco mais macios.
Há pouco não consegui passar no amigo cabeleireiro para me livrar deles e me deparei com um pequeno prazer: lavar os cabelos. Há tempos não usava xampu e condicionador e tem sido bem gostoso espumar o cabelo com um vagar tranquilizante, pensar na vida e nas coisas e em nada ao ensaboar e enxaguar aquilo para o qual antes eu pouco dava bola. Não que eu vá deixá-lo crescer, nem vontade tenho para cuidar tanto de um cabelo que não me favorece, mas ao menos, enquanto ele estiver maior do que eu costumo deixar, me entregarei ao prazer de lavá-lo com o cuidado que há tempos não tive com ele. Não, não fui acometido por uma febre metrossexual. Apenas descobri mais uma coisinha que deixa o dia um pouco mais divertido.
PS.: Vou tentar fazer de vez em quando uma pequena croniqueta como essa. Me digam, o que vocês acham?
Achei muito bom. Aconselho fazer mais croniquetas. Essas memórias que parecem estar perdidas, estão próximas…quando postas no papel, ou digitadas no computador, é incrível relembrar sentimentos que pareciam não existir e que estão mais vivos e presentes do que nunca.