No vão do MASP, sábado, duas da tarde. A montagem da feira de antigüidades de domingo já começou, os ferros chocam-se em barulho estridente. Alguns casais sentados, bicicletas e skates, tambores e pandeiros num animado sambinha. Tarde cinza, alguns raios do sol banham os prédios ao longo da avenida 9 de julho, a boca do tunel, os poucos carros que ali transitam.
– Não é justo que seu passado atrapalhe assim as coisas.
– Eu sei, mas…
– Não é justo. Sabe, é tão pouco tempo e …
– Eu também. Eu também te amo. Não posso negar isso, até tentei, pra mim mesmo, mas não dá…
– Mas por que ele sempre aparece, pra atrapalhar tudo? Por que?
– Foi muito tempo, entenda isso…
– Não consigo.
Silêncio. Sobrevoando a mureta do vão do MASP, as pombas. Alheias aos sentimentos, em busca de comida. Pombas.
– Desculpe, não queria chatear você…
– Não me chateia. Apenas me preocupa. Não quero te perder…
– Mas não vai!
– Quem garante?
Silêncio. O rapaz que carrega uma pesada estrutura de ferro prende a mão num dobra, grita de dor. Olhos preocupados, mas não foi nada. O rapaz sai com a mão vermelha, lava com uma garrafinha de água e volta ao trabalho.
– Foi um sentimento ruim que passou. Sensação de traição, de perda. Um pesadelo, vê-los juntos. Saber que estavam juntos, compartilhando por momentos suas vidas, o que era comum entre F. e mim. Meu amigo, de tanto tempo. Mas eu não tenho nada a ver com isso… porém, me abalou…
– Abalou? Ou seja, o passado ainda mexe com você?
– Mexe. É isso que você quer ouvir, pra ficar mal, pra ficar com raiva e se revoltar? Mexe. E agora que sabe que mexe, faça o que você quiser, tome a atitude que quiser, eu vou entender.
Silêncio. Lágrimas opacam os olhos, turvam as colunas vermelhas do museu. O parque Trianon à frente parece ainda mais cinza que o dia. O verde estranho, sem vida, empoeirado.
– Mas antes de você falar qualquer coisa, quero que saiba que eu te amo. E que é minha luta essa, esquecer o passado, deixar para trás de vez. Mas não é fácil, nada fácil.
– Eu imagino. E vou estar ao seu lado até esse passado desaparecer. Pois eu te amo também e nada vai tirar você de mim.
Silêncio. E o abraço, eterno, ao cair da tarde. O vermelho vivo do céu mais limpo deita-se morno sobre as costas de ambos, o vento balança as árvores, que farfalham um aplauso baixinho de aprovação, de felicidade, de enfim sós em meio ao turbilhão paulistano nesse entardecer gris.
torço pelas personagens! muito!
pete, vc parece que foi ‘tomado’ e está psicografando adoidadamente!
agora, sem chistes…parabéns pelos textos
e comentando tb aqui o post de lá embaixo: adorei o “toma lá, dá cá…”!
beijo!
Li seu texto ouvindo The Chemical Brothers – Saturate (Escute! Música Eletrônica da mais pura!) e ao descer pelo texto, eu percebi que entendia que o “passado mexe”.
Mexe sim, e sempre vai mexer !!!! Não tem como!!!
Enchi meus olhos de lágrimas, sabia????
Esse texto, essa música… Esse tempo fechado, esse governo…
humf.
Bijus!