Ônibus, centro de São Paulo. Exatamente sobre o Viaduto do Chá. Toca o celular.
– Alô… oi, é você. Hum…
Ponto, sobem pessoas. Alguém senta ao seu lado.
– Bem, não sei o que consig… olha, não é assim como você pens… tá, eu ouço.
Nervosismo. Dedos tatibitam sobre o banco da frente, olhos viram e reviram em busca de uma posição mais confortável. Ônibus contorna o Teatro Municipal, entra na Avenida São João, trânsito estranho.
– Tá bom, mas não precisa ser radical. Não dá mais, você sabe disso… hum
À esquerda, a Ipiranga. Dobrando a famosa esquina, o coletivo quase atropela uma mendiga, que grita para o motorista algo incompreensível e puxa contra o peito os sacos que cobrem seu corpo. As luzes amareladas tingem os corpos que andam apressados por ali, envelhecidos, carcomidos.
– Entendo o que você diz. Sei o quanto dói, mas doeu e dói em mim ainda, mas acredito que não fazemos … Se ainda te… tá, se ainda te falta algo, encontre dentr… não, impossível falar com você.
A Praça da República em polvorosa. São 18h43, os tapumes enfeiam a paisagem, mais do que as motos, os camelôs ou as placas em neon piscante de “Sexo Explícito” ou “American Bar”. Cheiro de fritura, de cimento, de poluição. Cansaço misturado ao desconforto daquela ligação levam sua mão à bolsa meio aberta, fuça por algo para se distrair.
– Pra que tá me dizendo isso? Pra me apavorar?
Rua da Consolação, em frente a praça Roosevelt. As putas e as travestis já começam a sair de seus esconderijos, alcovas, bares e afins. Preparam-se para o batente, enquanto os estudantes do Mackenzie, mais para cima um pouco, tomam sua cervejinha na Maria Antônia. Trânsito.
– Ai, pára com isso. Você não pode… tá, eu entendo. Quer que eu vá até aí? Não posso ir agora, estou a caminho da faculdade… sei, não é mais import…. sei, mas não… tá, fala.
Buzinas. Faróis vermelhos, sirene de ambulância, polícia, táxis, gente, muita gente.
– Então tá… ai…
Celular desligado, na mão trêmula. Rola uma lágrima, entre tantas que São Paulo não espera, nem perdoa.