A mulher estende o lanche para o marido, que morde com cara de “hum delícia” e olha para ela, como num beijo apaixonado, os olhos brilham num ambiente que mesmo barulhento não atrapalha o romance. Amigos que gargalham em volta do café, contando as travessuras da última viagem, felizes por compartilharem momentos tão simples e bons. Taças de vinhos e cafés elaborados, feitos pelo barista com cara de menino, são banhados pelas luzes das modernas luminárias sobre as mesas, de feitio comprido, como estalactites numa caverna. Mesas altas, tão estreitas quanto desputadas nos cantos daquele café, dentro da grande livraria.
E os solitários em algumas mesas e sofás, folheiam livros, revistas e jornais, naquele ambiente aconchegante, apesar de classudo. Esses vêm de uma longa caminhada por entre as estantes de literatura, artes e afins, procurando, sozinhos, algo para entretê-los. Alguns entram apenas para tomar seu café e sair, sem esperar. Sou eu, um desses solitários, tentando se convencer que a vida na solidão é uma escolha, não um destino.
Olho em volta e me sinto imune. Ao mundo todo que me cerca, ele não me atinge do alto da minha xícara de café fumegante, me protejo com o livro recém-comprado, folheio distraidamente sua páginas amarelada, fitando cada mesa, sentindo cada pessoa do lugar. Senhores que viram muitos cafés abrirem e fecharem, celebram cada dia como se fosse o último, pois pode realmente ser. Recém-adultos riem alto e descontraídos, esperando no grande sofá uma mesa, lamentando ter perdido “aquela do cantinho”. A criança deleita-se com seu milk-shake sofisticado, como se fosse um doce feito pela empregada de casa. Prendo a respiração quando vejo a moça do café se aproximando para perguntar posso tirar a xícara? essa bandeja é do senhor? deseja mais alguma coisa?, com aquela cara de gentileza quase forçada.
Tomo devagar meu café. Olho pela grande vitrine que dá pra rua, o frio impera. Casacos e toucas dominam a paisagem, camelôs vendem luvas e cachecóis como água no deserto. Ali dentro, calor. Me deixa confortável esse ambiente quentinho, um pouco me lembra a sala de casa. Porém, uma sala cheia de desconhecidos. Cada gole de café me constrange, pois logo ele irá acabar. Por que será que temos sempre que fazer algo, não podemos simplesmente estar? Vejo outros solitários, que também folheiam livros e revistas, e prestam atenção ao mundo a sua volta. Da mesma forma que faço, beliscam um pão de queijo, tomam vagarosamente águas e cafés.
Num repente, olho para o lado. Sinto algo estranho que move meu pescoço para o lado. Um par de olhos solitários como os meus me olha e um sorriso desponta de lábios desconhecidos. Como se aqueles olhos soubessem o que penso, me fossem íntimos. Fui descoberto, por detrás da colher, do pires e da capa verde do livro que folheava, fui flagrado no meu deserto. Que fazer agora? Como agir?
Tomo o último gole, que me faz desprender da cadeira, levanto discretamente e retorno para minha solidão…