A tristeza é apenas feia, e qualquer um que pense de outra forma não entende. Acho que o que ele quer dizer é que ele e eu somos feios da mesma maneira, e existe algo familiar, confortável nisso. Confortável é diferente de bonito.
– Aysel Seran
Começo esse texto com um apelo: é preciso falar sobre a depressão. O assunto é sério e precisa ser tratado como tal. Perdemos muitos jovens para essa doença por incompreensão, tabu, estigma, o que é totalmente desnecessário na era da informação. Devemos encará-la como ela é, como Aysel Seran retrata em Meu coração e outros buracos negros, de Jasmine Warga: algo insidioso e silencioso, que acontece na frente de todos, mas que as pessoas costumam atribuir à “coisa de adolescente” ou à “esquisitice”. Existem muitas maneiras de tratar a depressão, mas as mais eficazes são a verdade, a compreensão e o amor. Dificilmente algo vence o amor.
E por falar em amor, Aysel, a protagonista e narradora de Meu coração e outros buracos negros, representa o amor de várias maneiras. Desde o amor que falta até aquele que transborda, que inunda. Sua história é como a de muitas adolescentes de 16 anos que não se encaixam no padrão: um pouco solitária, distante, alheia ao status social dentro da escola, sem muitos amigos, apenas os poucos e bem escolhidos que se identificam com ela (no caso de Aysel, nenhum amigo, diga-se de passagem), mas há um porém. Seu pai é um criminoso condenado pela justiça. E por isso ela carrega todas as dores do mundo.
O livro começa com Aysel passeando por um site para suicidas, o Passagens Tranquilas, no intervalo de seu trabalho como atendente de telemarketing em uma empresa de Langston, cidadezinha do estado de Kentucky. Ela já está decidida: quer morrer. Uma morte rápida, indolor, que livre o mundo do peso de sua existência e que a livre do peso do mundo. Porém, falta um tanto de coragem para nossa protagonista levar a cabo sua triste decisão. Mas ela encontra uma maneira de terminar com sua vida, que considera imprestável: parceiros de suicídio. Encontra um fórum no site e entra em contato com RobôGelado, que já estabeleceu algumas regras para aceitar um parceiro de suicídio. A mais importante: que a morte conjunta aconteça no dia 7 de abril.
Aysel consulta o calendário: terça-feira, 12 de março. Pouco menos de um mês. Ela pensa um pouco e chega à conclusão que, sim, RobôGelado vai ajudá-la a pôr fim na sua existência amarga. É um rapaz de 17 anos, pouco mais velho que ela. E mora a quinze minutos de sua cidadezinha, daquele lugar onde apontam o dedo para ela o tempo todo, que a olham de canto de olho e sussurram: esquisita, filha de criminoso.
E dois dias depois, 14 de março, ela encontra Roman, o RobôGelado, um rapaz que é quase o oposto do que ela imagina ser um suicida: bonito, de fala fácil, aparentemente querido por todos. No primeiro encontro, ela bate o martelo: ele é popular. E por que alguém que é popular, bonito e querido desejaria morrer? Mas Roman também tem um olhar triste e um sorriso de meia-lua que deixa Aysel intrigada. Ela não conhece Roman o suficiente. Mergulhar na alma dele será o maior erro – ou o principal acerto – de sua vida.
Os dias passam e a convivência aproxima Aysel e Roman. Eles trocam experiências, vivências e, acima de tudo, tristezas. As dores de serem depressivos, de carregarem culpa e ressentimento no peito, levam os dois a planejarem um caminho sem volta. Constroem juntos uma história de desistência e se afeiçoam não pelas qualidades, mas pelos defeitos, não pelas alegrias e sorrisos, mas pela falta de ambos. E dessa relação estranha, complicada, brota uma gota de esperança. Mas os dias passam e a morte lentamente se aproxima.
Traduzir este livro foi muito emocionante. Ver os dias correrem, sentir a ansiedade da protagonista e sua transformação com o avançar das páginas. Jasmine Warga conduz sua personagem, Aysel, por uma trilha tão complexa, cheia de altos e baixos, que não conseguimos ficar alheios à vida da garota. Muitas vezes flagrei meu cérebro imaginando as situações que Aysel enfrenta, pensando em minha vida, em minha adolescência, nos momentos de alegria e tristeza, de sofrimento, angústia e conquista. E a cada levantar de cabeça, eu comemorava. E a cada queda, eu me entristecia com Aysel.
Entre aulas de física e música clássica, entre aromas turcos em terras norte-americanas e a certeza de que nada vale a pena, Meu coração e outros buracos negros traz personagens extremamente verdadeiros, reais e emocionantes. É difícil não gostar de Aysel, é difícil não torcer por Roman. Na vida real talvez a gente se afaste de pessoas como eles. E na vida real são essas pessoas que mais precisam da nossa atenção, do nosso abraço. E da certeza de que sempre haverá um ombro amigo, não importa o que aconteça.