Acabo de entregar mais um livro, o terceiro de uma ou tetralogia da qual não pude – por motivos vários – fazer o segundo livro. É complicado esse tipo de coisa, quando passa para a mão de outro uma obra que você já conhece. Por isso eu insisto em sempre fazer um bom glossário já desde o primeiro livro que pego. A gente nunca sabe o que vai acontecer – como aconteceu neste caso –, e a obra não pode sofrer com essa troca de rumos. Claro, o texto acaba saindo diferente, pois tem a marca do outro tradutor, mas os termos usados, nomes de personagens, lugares, objetos etc. ficam preservados, fazendo com que o leitor não sinta tanto a diferença. Já ouvi falar de séries em que, em determinado livro, tudo virava um samba do afrodescendente insano. Pois muitas vezes, nessas séries grandes, algo que aconteceu no primeiro livro vai voltar no quinto, ou no sétimo livro, e quem não leu a obra nem se deu ao trabalho de fazer suas anotações não vai lembrar de nada mesmo. Infelizmente percebo que esse é um cuidado que poucos tradutores têm para com o próximo, não sei se por falta de experiência com projetos maiores (eu venho da tradução técnica e, na hora da divisão de um projeto, o glossário é a primeira coisa em que se pensa) ou por preguiça mesmo, mas já tenho visto também até iniciativa de fãs fazendo glossários com as traduções, o que acho fantástico pelo envolvimento com a série.
Esse ponto é importante, o leitor. Não apenas se ajuda o tradutor que assumir a série – ou um volume dela – e o editor, o preparador e o revisor quando se faz um glossário. Com isso, se respeita o público, que espera ao menos coerência entre um livro e outro. No passado, essas coisas eram percebidas, mas a repercussão não era gigantesca, pois poucos leitores tinham acesso ao original e, quando tinham, não faziam questão de ler a tradução. Hoje, com o advento da internet, esse tipo de falha acaba se espalhando por sites e no boca a boca de leitores, que fazem questão de ler o original e a tradução – muitas vezes cotejando para ver como o tradutor se virou para sair de uma enrascada que ele via como impossível de traduzir etc. É para esse leitor também que fazemos glossário.
“Ah, mas se eu faço o glossário, dou de mão beijada ao editor a possibilidade de passar o livro adiante.” Olha, se esse for seu medo, tradutor/a, vá se acostumando, pois isso é mais comum do que se pode imaginar. Agora, essa é uma opinião minha: não quero ver uma série da qual participo sendo malhada na internet por conta de terminologia. Se a decisão do editor foi passar para outro/a profissional e esse/a profissional não cumpriu a parte dele/a, ao menos vou saber que houve um esforço para que o livro saísse da melhor maneira possível. Quando você se envolve em algo, e esse algo dá errado em algum momento, será que você não tem mesmo nem um pouco culpa pelo problema?
Nesta série, em especial, tive acesso à segunda tradução antes do lançamento, então, em conversas com a editora, conseguimos alinhar algumas coisas, rever terminologias usadas no segundo livro e deixar tudo alinhado. A tradução do segundo volume está muito boa, o que me deixou bastante tranquilo quando aos rumos da série, aprendi bastante nas leituras que fiz da tradução do colega e, mesmo sem conhecê-lo, foi mesmo um prazer trabalhar com ele. Folgo em saber que os leitores terão uma tradução de qualidade ótima para dar continuidade à série que comecei e, provavelmente, vou terminar – se tudo correr conforme esperado.
Por isso, amigo tradutor, quando começar uma série, faça um glossário, por menor que seja, do que você está usando com frequência. Pode parecer bobagem, mas é de grande ajuda quando você precisa por algum motivo abrir mão dos próximos volumes. Vai por mim, seu editor vai gostar muito.