Talvez essa seja uma frase que todo tradutor já se fez alguma vez quando aquele texto capcioso surge a sua frente, sem compaixão, lacerando o cérebro e queimando os olho. O que ele quis dizer? muitas vezes se apresenta como uma bifurcação, em muitos casos é apenas uma linha tortuosa na qual devemos tomar cuidado para não derrapar, uma senda obscura na qual devemos nos lançar com coragem. Mas não sem o cuidado necessário para que por trás dessa névoa não haja um precipício.
E há um outro problema: quando você lê aquilo que quer mais do que aquilo que o autor disse. Aí reside um grave problema, pois muitas vezes, por mais estranho que possa parecer ao leitor, o seu querido autor quis dizer exatamente aquilo. Num exemplo prático e fictício – digamos que nosso autor escreveu o seguinte:
There is a fight for hamburger, honek laker and babaganouch.
Temos aí três representantes gastronômicos de culturas diversas: o americano hambúrguer, o bolo de mel judaico e a pasta de beringela árabe. No discurso são, de certa forma, três opostos culturais e é muito provável que a intenção do autor seja contrastar esses três elementos culturais. Não há dúvida sobre o que devemos reproduzir na nossa tradução, não é mesmo?
Errado.
Não raro o tradutor se incomoda com o autor e sente que pode alterar algo para que faça mais sentido, por mais que a frase bem traduzida faça todo o sentido do mundo. Digamos que a tradução seja:
Há uma briga pelo hambúrguer, pelo honek laker e pela pasta de legume.
Sim, o sentido está aí. Talvez o tradutor pense que o importante é a briga ou o que vem após a briga e não os elementos que a causam. Talvez ele tenha razão. E o perigo reside no talvez: intepretação demais, exatidão de menos. E a pulga atrás da orelha ronca em alto e bom som. Seria melhor que ela estivesse acordada, bem alimentada e adestradinha.
Nesse exemplo tosco fica claro que a tradução de babaganouch por pasta de legume é desnecessária. Mas a minha intenção é mostrar que, às vezes, uma decisão tomada à revelia pode retirar do texto um elemento importante. E essa mudança às vezes pode também ser feita pelo preparador ou pelo revisor com o mesmo efeito: tirar a oportunidade do leitor de conhecer a real intenção do autor. Será entendido, perfeitamente compreendido, mas algo ali vai se perder. E a tradução já é um jogo de perdas e ganhos, no qual nosso desafio maior é perder o mínimo possível e, se der, ganhar alguns pontos para o nosso leitor. Afinal, é para ele que trabalhamos.
Então, da próxima vez que vir um babaganouch, saiba que ele não está ali à toa…
Muito legal o ponto que você defende aqui. E faz refletir todos nós tradutores e preparadores.
Por essa e por outras que adoro vir te visitar. Becitos.
Petê,
Endosso tuas observações, e acrescento: neste jogo de “ganhos e perdas”, deparamos com decisões importantes, em vários momentos. Por ex., uma socióloga americana, autora do livro “O Efeito Lolita”, que traduzi, usava “colored women” o tempo todo. Impossível usar o termo “mulheres de cor”, extremamente marcado em nossa cultura. Um abraço.