Séries e diálogos

Início de ano é aquele momento em que a gente dá uma desacelerada (mentira), em que podemos nos dar ao luxo de curtir algumas coisas que em tempos de correria fica impossível. Um dos meus guilty pleasures – expressãozinha essa difícil de traduzir – são as séries de televisão, não apenas as mais famosas e badaladas, mas também algumas menos famosas, em idiomas menos comuns (como a série japonesa Atelier ou O último policial, uma série alemã divertidíssima).

A Carol Alfaro já comentou aqui sobre a tradução de legendas de forma geral, de todas as limitações que existem ao se traduzir textos para audiovisual: tamanho da legenda, velocidade, marcação e outros aspectos que diferenciam esse tipo de tradução no amplo espectro da nossa profissão. E uma coisa muito benéfica que essas limitações todas trazem é a necessidade de se ter uma mente criativa aguçada, pois é necessário que uma frase, um pensamento, uma expressão caiba em poucos caracteres e em apenas duas linhas. Claro que muita coisa se perde, precisa ser reduzida, alterada, simplificada para que se encaixe no contexto e nas limitações acima, mas a essência está lá, suficiente para a compreensão.

Por isso, me peguei pensando durante um binge watching de How to get away with murder, série excelente e eletrizante estrelada por Viola Davis, em como os tradutores de audiovisual se viram nos trinta com um dos elementos mais difíceis da tradução: os diálogos. Me peguei analisando várias legendas e descobrindo inúmeras maneiras de traduzir coisas com que já me bati para desenvolver a contento. Imagino que o tradutor também teve essa dificuldade e algumas sacadas eu realmente anotei no meu caderninho para minhas próximas traduções. São várias, mas vou dar um exemplo aqui de uma palavra que parece tranquila de se traduzir, mas que pode ficar canhestra se não dermos um pouco de asas à liberdade interpretativa: commit. A frase era mais ou menos assim: You have to commit to your client, not necessarily to the law. A primeira coisa que viria à cabeça seria: Você precisa se comprometer com… ou Você precisa ter um compromisso com… O tradutor da série usou “leal”: “Você precisa ser leal com seu cliente, não necessariamente com a lei”. Achei uma saída muito boa, apesar de fugir da palavra original (commit, e não loyal). Traz uma ideia muito semelhante, economiza em caracteres e passa o recado direitinho.

E como isso pode ajudar o tradutor literário?

Com os diálogos (dos quais já falamos aqui e aqui). Roteiro é basicamente feito de diálogos, em diversos registros. Diálogos que em geral precisamos traduzir com um nível de naturalidade grande para que fiquem verossímeis, mas sem esquecer que aquele é um texto escrito e que precisa estar legível para o leitor. Os bons tradutores de legendas chegam a esse equilíbrio de forma primorosa, pois lidam com falas o tempo todo e precisam chegar a esse ponto de convergência: naturalidade, precisão, síntese e legibilidade. Por isso, assistir a séries – das tantas que estão espalhadas por aí – pode ser uma boa pedida para melhorar as habilidades com diálogos. Lembrando sempre que o bom senso deve estar em primeiro lugar para reconhecermos quando uma legenda foi bem-feita, teve empenho e esmero, e quando não houve condições de ser tão boa (por diversos motivos que não cabe a nós julgarmos).

E vocês, como lidam com a questão dos diálogos? Ou como pensam ser a melhor forma de lidar com eles?

Publicado originalmente no blog Ponte de Letras.

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