Eu insisto: “Ele está de volta”

Por Angel Sakura

Berlim, 2011. Adolf Hitler acorda num terreno baldio. Vivo. As coisas mudaram: não há mais Eva Braun, nem partido nazista, nem guerra. Hitler mal pode identificar sua amada pátria, infestada de imigrantes e governada por uma mulher. As pessoas, claro, o reconhecem — como um imitador talentoso que se recusa a sair do personagem. Até que o impensável acontece: o discurso de Hitler torna-se um viral, um campeão de audiência no YouTube, ele ganha o próprio programa de televisão e todos querem ouvi-lo. Tudo isso enquanto tenta convencer as pessoas de que sim, ele é realmente quem diz ser, e, sim, ele quer mesmo dizer o que está dizendo. Ele está de volta é uma sátira mordaz sobre a sociedade contemporânea governada pela mídia. Uma história bizarramente inteligente, bizarramente engraçada e bizarramente plausível contada pela perspectiva de um personagem repulsivo, carismático e até mesmo ridículo, mas indiscutivelmente marcante.

(…) Consideram-me morto. Insinuam que cometi suicídio.
E, é verdade, lembro-me de ter discutido em teoria essa possibilidade com meu círculo de camaradas próximos, e decerto me falta a lembrança de algumas horas de um período claramente difícil. (…)
Então, será que eu estaria morto?
Porém, a situação dos nossos jornais não é segredo. Neles, o surdo anota o que o cego relata, o idiota edita e os colegas dos outros jornais copiam. Cada história é reformulada com o mesmo caldo podre de mentiras para que se sirva ao povo ingênuo, no fim das contas, a mistura “gloriosa”.

  • Versão em áudio da resenha


Eu aqui confesso que tenho uma queda meio insana pela história de Hitler, inclusive leio várias teorias loucas sobre ele (tem aquela que ele veio pro Brasil, tão bizarramente engraçada). O carisma que esse homem emanava não era brincadeira e eu sempre tive muita curiosidade sobre como ele seria nos dias atuais, porque convenhamos ele seduziu um país inteiro antes sem a internet pra viralizar. E não é que o Timur Vermes decidiu sanar a minha dúvida! Ele misturou viagem no futuro, Hitler e internet numa mesma história. Tem como não amar freneticamente? E sei que isso vai incomodar algumas pessoas, já que todos sabemos quem é Hitler e o que ele fez, mas ele é tão carismático, sedutor, com boas ideias e intimidante que você já sabe onde vai acabar… E o melhor é que é uma comédia alemã sobre Hitler.
Além disso eu esperava um livro zuado, o que ia me revoltar, mas não, o livro tem aquele toque delicioso de cinismo e inteligencia na medida certa. Então queridos camaradas vamos juntos embarcar na continuação da história.

O que dizer desse livro que mal começou e já considero tanto?O enredo é que o Hitler deu um pulo no tempo ao invés de morrer, agora ele está numa Alemanha de 2011 e, enquanto ele está tentando entender o que aconteceu com ele, as pessoas em geral estão atribuindo a ele a função de comediante pela sua aparência e forma de falar. Nesse meio tempo Hitler consegue um emprego na televisão e não entende o quão ultrajante ele é por “parecer” Hitler na atualidade. A questão é que ele ostenta com orgulho seu nome e o que ele representa, e meu Deus, como ele esbanja carisma novamente. A verdade é que Hitler sempre acreditou que ele estava predestinado a algo grandioso, a tal chamada providência dos seus discursos, e quando surgiu no futuro ele logo empregou a si o dever de salvar a humanidade “novamente”.

– Olhe, o senhor não vai roubar minha banca de jornal inteira, não é?
Olhei para ele indignado.
– Pareço um criminosos?
Ele me encarou.
– O senhor parece Adolf Hitler.
– Exatamente – respondi.

O livro nos conta a trajetória de Hitler neste novo mundo e a sua pretensão de reerguer os ideais que ele sempre acreditou (é o nazismo mesmo queridos)É interessante ver que o autor fez uso da oratória de Hitler com a linguagem antiquada e auxese, fazendo com que Hitler se conectasse com algumas pessoas ao atacar marcos da sociedade atual como por exemplo a Starbucks, os reality shows e, até mesmo, a Ikea (loja de móveis)E então nesse ponto do livro você entende que ele está sendo divertido e que queremos ler mais, saber mais e… você descobre que gosta de Hitler. Vai dizer que isso não é contra tudo que você acredita? Que é bizarramente cruel você gostar de um ser tão desprezível?

Ao meu lado havia um ciclista. Essa visão era, ao mesmos para mim, comparativa e duplamente familiar. Estávamos em tempos de guerra, como antes, e ele se protegia com um capacete bastante danificado por ataques anteriores, todo esburacado.

E é nesse ponto que começam as críticas vazias sobre o livro onde, na maioria dos casos, as pessoas nem leram o livro mas acreditam que podem falar mal apenas por falar de Hitler. Eu não apoio o que o nazismo fez, é e eu sei que a implantação do ódio racial foi terrível. Não estou sequer entrando neste tema, pra mim a maravilha deste livro é ver que os fantasmas do passado estão lá, no passado. Não venha ler o livro cheio de pedras nas mãos, é apenas um livro. E é um livro inteligente, que aborda assuntos importantes na atualidade, o fato de termos Hitler como protagonista foi uma escolha sábia e não o contrário. A forma como Hitler rapidamente ganha popularidade com seus discursos apaixonados e diretos, a internet deu a popularidade que ele precisava para se manter no ar por mais tempo e, tcharams, pare pra pensar que isso de fato poderia acontecer nos dias de hoje. Uma pessoa que se torna viral e que posteriormente poderá se tornar um líder. Alguém que entende seus medos e lhe dá esperança. Entenderam onde quero chegar? Onde acho que o livro quis cutucar?

É certo que, se um combatente solitário retirou um povo inteiro do lamaçal da perdição, um gênio incrível poderia surgir naturalmente uma vez a cada cem ou duzentos anos. Mas o que o destino faria se esse trunfo precioso já tivesse sido descartado? Se, no material humano disponível, não houvesse uma mente a quem se poderia atribuir a presença de espirito necessário?
Então o destino precisaria preservá-lo, para o bem ou para o mal, das garras do passado.

Esse livro é recheado com referências ao nazismo e as pessoas que cercavam Hitler no seu mundo da Segunda Guerra Mundial, por isso preste um pouquinho de atenção que você deverá reconhecer várias delas. Eu indico muito o livro, porque além de divertido ele nos faz pensar, parando num limite entre o desrespeito e a sátira inteligente, onde recebemos uma crítica sobre a vida moderna, o poder da mídia e, principalmente, o senso de humor atual. O livro termina com um que de advertência sinistra, demonstrando que mesmo hoje ele, Hitler, teria seguidores em sua causa e, que talvez, você apoiaria, mesmo que de uma forma indireta, tal propagação. A questão é que falar de Hitler, mesmo que em forma de comédia, é manter viva a lembrança do que ele fez e de quem ele é. É importante que esse tema nunca fique esquecido para que os erros do passado não voltem a acontecer, especialmente se levarmos em conta o surgimento de vários grupos radicais, como por exemplo a “Aurora Dourada”. Então largue o preconceito e venha rir com Ele Está de Volta.

Esse livro foi oferecido através da parceria com a Editora Intrínseca, porém nossas opiniões são sinceras e não sofremos nenhum tipo de controle por parte da editora para oferecer resenhas positivas, somos 100% sinceras no que falamos.

Fonte: http://euinsisto.com.br/ele-esta-de-volta-timur-vermes/#more-8026

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