Tudo se conversa…

No Congresso da ABRATES (Associação Brasileira de Tradutores e Intérpretes) deste ano, em Belo Horizonte, apresentei uma palestra sobre as várias partes do processo editorial, passando rapidamente pela compra de títulos, avaliação, tradução, preparação, revisões e envio para gráfica. Na segunda parte da palestra, apresentei uma pequena pesquisa que fiz com editores de casas editoriais de médio e grande porte que mostrou alguns dados interessantes sobre o processo editorial: tempo de execução, preferência de livros, satisfação da equipe atual etc. Os dados sobre a preferência dos editores quanto ao processo me chamaram a atenção: os editores preferem processos com etapas mistas, na qual a comunicação entre os atores é intermediada por eles (50%), seguidas por etapas estanques, cada um na sua e o editor amarra as pontas (33%) e, por último, as etapas colaborativas, na qual há comunicação entre os atores do processo (17%). Esses dados me fizeram pensar que esta pode ser uma realidade editorial: as partes que compõem o processo, em geral, não se comunicam ou se comunicam precariamente, ficando a cargo do editor e/ou do assistente editorial fazer a ponte entre tradutores, preparadores e revisores.

Na verdade, isso não era uma novidade para mim, porém eu precisava de dados e os editores foram gentis e sinceros nas respostas. O que mostra, talvez, uma estrutura ainda engessada em alguns pontos, que funcionou muito bem no passado, mas que pede uma mudança – mesmo que paulatina – para que o processo melhore. E não fui em quem disse isso, mas os próprios editores. Num outro momento da pesquisa, perguntei sobre “Ideal x Realidade”, pedindo para que classificassem o processo da empresa na qual trabalhavam: 50% declararam que o processo ainda precisa de muitas melhorias, 33% que precisa de ajustes, mas funciona bem e 17% que precisa de ajustes e funciona apenas. Por mais que a base de pesquisa não seja muito ampla, esse panorama mostra que o processo editorial como um todo ainda precisa de melhorias. E onde mexer? Entre os pontos mais votados de melhoria, empataram na pesquisa o planejamento da grade de lançamentos, a comunicação interna e os ajustes nas etapas do processo com 22%. E para agilizar o processo, 50% dos entrevistados votaram em equipe interna completa (50%) e, em segundo lugar, comunicação total entre os atores da produção (tradutor, preparador, revisores e editores – 38%).

Por que apresentei todos esses dados? Porque apresentam uma situação já percebida pelos editores, mas que por diversos motivos (cultura da empresa, falta de autonomia, processo estabelecido etc.) não muda. A comunicação entre os atores do processo surge em vários pontos da pesquisa e não é à toa:  nós, do Ponte de Letras, defendemos a teoria de que é possível ter uma troca de ideias franca e profissional entre aqueles que compõem o processo e entre os editores, o que resultaria num processo mais ágil, mais coeso e, no final, um produto mais próximo do ideal. Porém, diversas vezes, em palestras e conversas com editores e tradutores, levantei a questão da comunicação aberta e não fui compreendido. A resposta sempre foi: o processo ficará mais lento, mais complexo, não é possível, muitas vezes não há interesse das partes do processo. Eu pensava, repensava a questão, pois apesar de eu conhecer o processo — já trabalhei dentro de editora (no século passado) e hoje trabalho intensamente para elas —, não tenho a experiência de um editor ou de um assistente editorial.

Há pouco, mais precisamente no início do segundo semestre deste ano, indiquei uma amiga para uma tradução do alemão para uma editora para qual trabalho e que tinha sido “deixada na mão” por uma “colega”. De pronto, a amiga aceitou o trabalho e a editora achou por bem, já que nos conhecíamos, que eu fizesse a preparação do texto. A experiência foi maravilhosa: as dúvidas que surgiam eram discutidas por nós via Skype; ela tirou dúvidas com a autora por e-mail durante a tradução, sempre comigo em cópia, e conversamos muito sobre decisões, confusões e acertos (muitos acertos, diga-se de passagem) no texto dela. Quando o texto chegou até mim, muitas das dúvidas dela já estavam resolvidas e foi uma delícia o processo de preparação, um aprendizado imenso para nós dois. E os editores ficaram muito felizes com o resultado. Claro, essa foi uma situação especial, na qual dois amigos encararam juntos uma missão. Mas não é impossível isso acontecer em circunstâncias normais de operação.

Então, o que fazer? Dificilmente, hoje, uma editora consegue contar com uma equipe completa de preparação, revisão e edição in-house, muitas já terceirizam o processo parcial ou integral para estúdios de produção editorial, e isso prova que os fornecedores de serviços editoriais têm muito trabalho pela frente. Resta-nos, de acordo com a pesquisa, abrir os canais de comunicação para que tradutor converse com preparador, preparador tire dúvidas do revisor, revisor confira o que precisar com tradutor antes de fazer aquela mudança crucial no texto e, finalmente, tradutor ter a disposição de se preocupar com o texto que, no fim das contas, é dele. Acreditamos – e defendemos com fervor essa visão – que se todo mundo conversar de forma profissional, obviamente com a mão firme do editor orientando a todos, o processo ficará muito mais seguro e divertido. E o produto final, nosso amado livro, muito, mas muito melhor.

15 comentários Tudo se conversa…

  1. Danielle Sales 21 de outubro de 2013 @ 14:55

    Gostei muito do texto e concordo com vários pontos. No entanto, na minha humilde opinião, acho que a experiência dele deu certo porque estavam trabalhando entre amigos e, nessa relação, havia ao menos uma pessoa que estava bastante disposta a aprender. Eu acredito que, se isso se transformasse em rotina no meio editorial, a briga de egos seria enoooorme.

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    1. Petê Rissatti 21 de outubro de 2013 @ 15:02

      Dani, concordo contigo. O panorama editorial hoje ainda não está preparado, talvez, para esse tipo de diálogo franco, direto, sem melindres. Acho que ganharíamos muito se pudéssemos ouvir mais e também compartilhar nossas experiências, já que todo mundo trabalha por um objetivo: o livro. Porém, já vi e ouvi muitas vezes tradutores reclamarem que “mexeram no texto” deles, mas não se dispuseram a conversar, discutir, alertar o editor sobre o que deveria ser feito. Depois de pronto, depois de impresso, não adianta reclamar. Sempre que posso me disponho, não para “mostrar serviço”. Aprendo muito quando converso com preparadores, revisores e editores, e isso não tem preço.
      Agora, se as pessoas acham que é perda de tempo, que estão acima do bem e do mal, aí é uma outra história. Obrigado pelo comentário. 😉

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  2. Val Ivonica 21 de outubro de 2013 @ 14:59

    Não tenho experiência editorial, mas concordo com vocês e já até escrevi sobre isso no blog. Quando tradutor e revisor deixam de lado a rivalidade e trabalham juntos, todo mundo aprende pelo menos um pouco e o resultado final é melhor do que quando o processo é estanque, cada um fazendo só a sua parte e sem troca de ideias.

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    1. Petê Rissatti 21 de outubro de 2013 @ 15:05

      É isso, Val! Essa troca é inestimável e quem ganha é o livro, o leitor, o usuário do texto. Acho mais importante do que as picuinhas que surgem (e são alimentadas) por essa distância entre as partes do processo editorial (e de outras áreas também).

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  3. Alyne Azuma 21 de outubro de 2013 @ 20:30

    My two cents (diretamente da moita): o diálogo entre a equipe — interna ou externa — é ótimo para o processo editorial. Todas as vezes que consegui fazer isso, fosse eu a tradutora, a preparadora ou a editora, foi lindo! Em um mundo em que muitos ruídos podem acontecer, tive experiências muito boas nesse esquema. Mas ele tem um preço — literal e metafórico. Para funcionar, o preparador precisa ser mobilizado assim que o tradutor for contratado. Isso significa que um trabalho de vinte dias, um mês ou coisa assim (que é o prazo que o preparador em geral recebe) vai levar o tempo da tradução mais o da preparação em si. Claro, quando o texto chegar, já vai estar muito mais azeitado, e o preparador, muito mais mergulhado no livro e familiarizado com as escolhas feitas. Mas, para a editora, isso significa reajustar o valor da preparação, tentar trabalhar com equipes que minimamente se conheçam (o que não é tão impossível assim, mas não é comum) e mediar o diálogo o tempo todo para evitar brigas de ego e enxugamento de gelo.
    Na prática, tradutor e preparador podem dialogar escrevendo relatório e enchendo o arquivo de comentários, e o editor (ou produtor editorial) pode fazer esse meio de campo dando parâmetros para tradutor e preparador saberem onde estão pisando a priori, pedindo e repassando relatório e se colocando à disposição durante o processo.

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    1. Petê Rissatti 21 de outubro de 2013 @ 22:55

      Alyne, seus two cents foram mais do que lindos. Muito obrigado. Porém, por mais que seja um pouco difícil imaginar essa situação, e no texto chego a reconhecer que ela é ideal (como o caso pelo qual passei), talvez seja possível chegar próximo dela se as partes tiverem disposição. Por exemplo, talvez o preparador não precise ser contatado com tanta antecedência, talvez ter um tradutor cioso do seu texto bastaria para que ele acompanhasse (ou tentasse acompanhar, na medida em que o preparador também fosse a favor, mas não vigiar ou tolher) o trabalho de preparação. Por sua vez, o preparador poderia também dar a abertura para que o primeiro revisor e o segundo revisor tirassem suas dúvidas. Uma maneira de esse processo 1. ficar documentado e 2. acontecer em tempo real seria o uso de um grupo de internet, como Yahoo! Groups ou Google Groups. Começariam ali o tradutor e o preparador, em seguida um revisor seria convidado etc., assim que cada elemento do processo fosse contratado. Cada ator do processo teria acesso às discussões anteriores e acrescentaria as suas. Tudo, claro, mediado pelo editor para evitar as rusgas desnecessárias. Usar a tecnologia a nosso favor e da melhor maneira possível facilita muito e as possibilidades vão além do que às vezes podemos imaginar. Ah, e essa ideia não é original, acho que acontece numa editora em Campinas, quando eu me lembrar o nome dela comento aqui. Um beijo. 😉

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      1. Alyne Azuma 22 de outubro de 2013 @ 09:54

        Não tenho experiência em comentar em blogs: é normal a pessoa treplicar? Petê, nada do que eu disse foi por discordar com o seu texto, de eu gostei muitíssimo, aliás. É um assunto que muito me interessa e um diálogo — ainda que num formato mais mediado, mas só porque é o único que eu conheço — que defendo há tempos. Então imagine minha alegria quando li o tema aqui! Outro beijo, 😉

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        1. Petê Rissatti 22 de outubro de 2013 @ 10:00

          Alyne, tréplicas e mais tréplicas são sempre bem-vindas. E entendi seu ponto de vista e comemorei quando li de alguém que tem experiência e enxerga o mercado por dentro e por fora que meu texto não estava tão fora da realidade. O que interessa para todos nós, de verdade, é esse diálogo franco, aberto, com orientação do editor (claro!), mas um pouco mais direto entre o pessoal da produção. Como eu disse, é uma equação difícil de fechar, mas se bem alinhavada, dá um resultado lindo. Beijão e a conversa continua…

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  4. Alyne Azuma 22 de outubro de 2013 @ 09:57

    “discordar DO…”, mudei a frase e deixei a preposição…

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    1. Petê Rissatti 22 de outubro de 2013 @ 10:03

      Olha, já passamos por uma hoje, nas primeiras horas da manhã, com um typo que havia no texto (eu escrevi Intérspretes, olha que erro grave!). Alguém em alguma comunidade de revisores disse que não leria o texto porque tinha um erro gravíssimo, absurdo, e descascou em cima da gente. Nobody is perfect, não é? Ainda bem que existem revisores no mundo…

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      1. Alyne Azuma 22 de outubro de 2013 @ 13:47

        O que seria dos livros sem os revisores! Mas não deixa de ser um ótimo exemplo de tudo o que estamos debatendo, né? Em vez de sentenciar, vamos trabalhar juntos!

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      2. Camila Fernandes 28 de outubro de 2013 @ 20:15

        Descartar um texto inteiro por causa de UM erro que evidentemente foi de digitação? Lamentável. Para quem o descartou, é claro. 😉

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  5. Camila Fernandes 28 de outubro de 2013 @ 20:11

    Muito interessante ter acesso a esses dados, Petê. Obrigada por compartilhá-los com a gente. Já vi afirmarem (realmente não vou lembrar quem o fez) que a falta de interação entre as partes é positiva porque impede possívels arranca-rabos entre tradutor, preparador, revisor e (quem sabe até) autor (?!). Da minha parte, acredito que, ao lidar com profissionais e pessoas minimamente razoáveis, não deveríamos precisar nos preocupar com esses possíveis desententimentos e todos nós poderíamos até nos policiar mais em nome da qualidade final, já que teríamos que responder por ela perante todos os envolvidos, sanando dúvidas e justificando decisões. Até por isso gosto muito quando pego preparação ou revisão direto com o autor: eu sempre posso fazer esse bate-bola com ele e podemos chegar juntos ao melhor resultado. 🙂

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    1. Camila Fernandes 28 de outubro de 2013 @ 20:28

      DesentenDImentos, Ô diacho… alguém revise a revisora. 😛

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    2. Petê Rissatti 28 de outubro de 2013 @ 20:31

      É isso, Mila, isso mesmo! Todo mundo quer o mesmo, por que não conversar? Beijo e obrigado pelos comentários (relaxa com os typos, a gente te entende. :P)

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