Uma resenha de Réquiem, o conto

Quando o Portal Fahrenheit foi lançado, algumas pessoas fizeram resenhas e comentários sobre o volume. Uma das mais generosas foi a do blog do estudante de jornalismo André Biernath. Deem uma olhadinha:

O Projeto Portal, revista de contos sobre ficção científica, chega ao seu fim. Foram seis publicações com periodicidade semestral homenageando grandes obras do mesmo gênero: Solaris, Neuromancer, Stalker, Fundação, 2001, e, por último, Fahrenheit, em alusão ao livro Fahrenheit 451, de Ray Bradbury.

No sexto e último capítulo dessa série, o Portal Fahrenheit, organizado pelo escritor Nelson de Oliveira, a imaginação dos autores voa longe: temos histórias sobre dinossauros que viviam no subterrâneo do Planeta Terra, viagens intergaláticas e até invasões alienígenas destruidoras. A temática que mais se faz presente em quase todos os textos é a questão do sonho. Será que no futuro nos será concedido o direito de sonhar?

Outro ponto comum entre todos os textos é o cenário, sempre uma situação pior do que nos encontramos atualmente. Se os autores decidissem o que nos espera daqui meia década, nossos filhos e netos teriam um futuro desafiador, onde o grande prêmio será sair das situações com vida.

Dentre os contos, destaca-se Réquiem, do tradutor e preparador de idiomas Petê Rissatti, cuja principal temática é justamente o direito de sonhar. A metáfora presente no texto dá à palavra “sonho” as duas definições possíveis: tanto o conjunto de imagens e pensamentos que se apresentam à mente quando dormimos quanto à utopia, a ideia ou o ideal defendidos com paixão. De acordo com Rissatti em seu ótimo texto, no futuro os dois nos serão privados. Será que conseguimos viver num mundo sem sonho, onde a única coisa que importa é o presente, o aqui e o agora?

Petê mostra de forma clara esse tema. Mas, de um jeito ou de outro, todos os contos restantes entram no assunto. Os textos também têm uma tendência de unificação do mundo. Nele, há sempre um poder central, na mão de um conselho, um parlamento ou até mesmo de uma ordem religiosa e, normalmente, as pessoas que comandam esse mundo “ultraglobalizado” são tiranos e representam a parte ruim da história, aqueles que devem ser derrotados.

O texto de Ataíde Tartari intitulado “O bunker cretáceo” também é ótimo. Ele nos conta a história de pesquisadores brasileiros na Antártica que descobriram a presença de dinossauros do interior da Terra. Ao contrário de que se pensara até então, os dominadores de nosso planeta por um longo período ainda existiam, numa situação tecnológica mais avançada que a nossa. Em tempos onde os olhos estão voltados para o externo, o que vem de fora, no caso ET’s, Tartari internaliza o nosso olhar, chamando a atenção para o que vem de dentro. Será que não temos muitos problemas a resolver aqui antes de criar outros procurando vida fora de nosso pequeno planeta azul?

“Tempestade solar”, de Roberto de Sousa Causo conta a história de Shiroma, uma espécie de trans-humana agenciada por dois seres humanos, Tera e Tiago, que se consideravam seus parentes. Aqui, os problemas são a família, a relação entre pais e filhos e o choque de gerações, no caso influenciado pela tecnologia avançada a um grau extremo, longe da ética.

Mayrant Gallo se inspira no passado para escrever uma história do futuro. Ao ler o seu conto, “Invasores”, fiquei com a sensação de estar em um faroeste clássico, onde não existe lei. Ao contrário dos tradicionais Westerns, esse tem como vilões extraterrestres parecidos com sapos. Aqui, encontra-se a temática da invasão, da tomada de território. O homem se sente só, restringido em seus anseios e em seus pensamentos. Aqueles que decidiram viver a sua vida corretamente são excluídos, deixados de lado, sitiados e vivem perigosamente.

O ponto que mais chama a atenção de “Deus é brasileiro”, escrito por Sid Castro é a proximidade com nosso país. Nas dez páginas que compõe o conto, nos sentimos em casa, principalmente pelas referências geográficas e pelas construções arquitetônicas, como o Cristo Redentor, o MASP e a Catedral de Brasília. A tensão do texto encontra-se na religião. Os símbolos católicos, em abundância no Brasil, são suprimidos por uma nova ordem religiosa. Aqui, vemos o poder tomado pela crença espiritual de um grupo de pessoas.

Apesar de terem a sua narrativa perfeitamente construída, o fato dos textos serem contos restringe consideravelmente algo que é importantíssimo nesse gênero: a contextualização. Como as histórias falam de algo muito à frente de nosso tempo, algo que não estamos acostumados a lidar, o leitor pode demorar algumas linhas até conseguir se situar na trama. Isso significa que, se os autores quisessem, poderiam transformar cada pequeno fragmento que faz parte desse e dos outras cinco publicações em grandes livros, onde seria possível alongar a problemática, trabalhar melhor os personagens, a sua constituição e o momento histórico em que se encontram.

O projeto é válido e completamente bem resolvido. Podemos averiguar através dele que, o que não falta aos seus autores é criatividade. O tema é vasto e permite uma abordagem praticamente infinita. O que nos espera na próxima página? Um planeta desolado por conta da última grande guerra entre as galáxias? Uma descoberta médica revolucionária? Uma briga de egos entre os comandantes do mundo?

Portal Fahrenheit consegue, de modo elogioso, atingir o seu objetivo: reunir ótimos contos que, apesar do potencial citado acima, são ótimos exemplos de um gênero que ganha cada vez mais a vida das pessoas, em especial dos jovens, acostumados a enfrentar os problemas dos personagens principais dos contos em seus consoles de videogames.

PORTAL FAHRENHEIT –

Organização: Nelson de Oliveira

Autores: Abílio Godoy, Ataíde Tartari, Brontops Baruq, Bruno Cobbi, Claudio Brites, Danny Marks, Georgette Silen, Izilda Bichara, Laura Fuentes, Luiz Bras, Márcia Olivieri, Marco Antônio de Araújo Bueno, Maria Helena Bandeira, Mayrant Gallo, Mustafá Ali Kanso, Petê Rissatti, Ricardo Delfim, Roberto de Sousa Causo, Sid Castro e Tiago Araújo

Publicação – 2º Semestre de 2010

Número de Páginas – 157

Editora Daikoku

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