Bom dia

“It’s gonna be allright, no matter what they say…” (Good day, Jewel)

Acordo e digo pra mim mesmo ‘ei, tá na hora’. Torço para ser um bom dia, apesar de a esperança ser pouca. Olhos quase grudados, tento lavar o rosto, água tão fria, me irrito. Mas será um bom dia, tenho certeza. Não importa mesmo o que digam, se a previsão do tempo profetiza uma queda de temperatura regelante, se o Iraque continua em guerra ou a violência no Rio alcança patamares ainda mais alarmantes. Tiro devagar a roupa de dormir, vejo que tenho tempo, quase nunca tenho, sempre estou correndo com os ponteiros e digitais dos relógios no meu encalço. Visto uma cueca, uma meia, furada, outra meia, melhorzinha, mas manchada, tudo bem, não vou tirar o tênis em lugar algum mesmo, não vou mostrá-la a ninguém, ao menos está limpa e o dia será bom. Vou até a janela, ainda de cueca e meia, me sinto ridículo, mas abro e sinto o frio petrificar os ossos. Fecho rapidamente, acredito na previsão agora, frio, muito frio, e visto, sentado sobre a cama desarrumada, camiseta, calça, blusa. Faço tudo sentado, o sono como um gancho me puxa em direção da cama, mas será um bom dia e eu preciso acordar.

Lavo novamente o rosto, calço um tênis qualquer, o primeiro que vejo, lembro que preciso de outro tênis, esse já está furando, vou até a cozinha e abro a geladeira. Penso com a geladeira aberta, ela conversa comigo, me explica as coisas do mundo, as dificuldades humanas, os dilemas existênciais. Só não esclarece muito porque o requeijão está no fim e o que uma banana já preta faz ao lado da manteiga e do leite já vencido. Além desses três componentes, há apenas um tubo de supercola, um catchup no fim, um ovo e uma garrafa de água vazia. Geladeira de solteiro, preciso dar um jeito nisso, encher mais essa geladeira. Ah, e duas cervejas que haviam congelado e agora devem estar chocas. Ou verdes, com o lúpulo quase vivo.

Mesmo assim, penso que o dia será bom. Procuro minha carteira desesperadamente, agora já não tenho tanto tempo. Tomo um copo d’água depois de ver que a carteira está embaixo do monte de roupa atrás da cadeira que está encostada ao lado do sofá, que inclusive não está no lugar que deveria também. Tudo desordenado, tropeço em bitucas de cigarro e lembro que no Rio se chamam guimba e que no Rio faz sol e que lá se caminha pelas praias de manhã sem a intensidade do incômodo monóxido de carbono paulistano fritando os pulmões. Ligo o rádio, esperando uma música boa, vem notícias primeiro, e eu escovo os dentes, preciso comprar pasta de dente, vejo o perfume no finalzinho, o sabonete mesclado (sim, vários sabonetes que derretem na saboneteira formando uma massa disforme e de cheiros variados) e tudo me desanima. Mas o dia será bom.

Com a bolsa no ombro, colocando o relógio no pulso, com os óculos presos entre os dentes e uma revista embaixo do braço penso, que belo dia será. Encontro entre os livros e jornais espalhados pela sala a chave de casa. Penso no caos. Abro a porta devagar, chamo o elevador, me livro de toda a confusão do lar, suspiro aliviado. Momento de paz, propício para lembrar de olhos, olhos tão verdes, uma lagoa plácida que me fita com um sorriso largo, lindo. Não tenho dúvida, será um bom dia.

2 comentários Bom dia

  1. Clebs 11 de julho de 2007 @ 22:53

    Esse Rio que não tem jeito!

    Verdade seja dita, caminha-se na orla em manhãs amenas, chama-se bituca de guimba, há violência. Há muita violência….Mas creio que o mesmo CO2 que eu inspiro seja em quantidade parecida que vc aí!!! A diferença é que aqui é beira de praia e vai tudo para o oceano, enquanto aí fica tudo concentrado.
    Morre-se!

    Uó!

    Li vc triste….

    Beijao!!!

    PS: Esse recém-nascido da foto vai me dar pesadelos!!! Levei um susto quando entrei aqui
    PS2: EU adoro a Jewel, ela é chata e nasceu no Alaska (!!), mas eu adoro!

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  2. Petê 12 de julho de 2007 @ 12:40

    Clebitos,

    Não costumo responder aqui, mas lá vai: não me leia triste. Apenas ouvi a música “Good day” e me inspirei nela para falar de olhos verdes.
    C’est pa?

    Beijos

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