Da sorte

Todos os dias, no seu almoço, o moço saía do escritório onde trabalhava no Centro da cidade. Após o primeiro turno de trabalho, já exausto pela pressão e pelo ritmo alucinante, dava-se o direito a um cigarrinho e seu caminho era sempre o mesmo: o Correio. Seguia devagar, com o envelope na mão, acariciando devagar o envelope com o polegar e o indicativo, o olhar perdido ao longe da rua, fixo na placa amarela dos Correios. Pouco mais de um quarteirão o separava de seu destino, e seu caminhar lento era proposital: pensava, em cada passo, o que faria se por acaso aquela carta lhe trouxesse o que tanto almejava, aquele prêmio valioso e que realizaria muitos de seus sonhos.

Não era nada do tipo Caminhão do Faustão ou afins. Não era para ganhar muito dinheiro, uma loteria. Mas garantiria seu futuro, mais do que muitos outros prêmios por aí. Claro, se fossem os milhões da megasena, justificaria seu caminhar lento, pois haveria muitos planos a fazer. Este, porém, era um prêmio de grande valor para ele, ele o aproveitaria inteiro e ainda daria para fazer algumas pessoas felizes com ele.

O vento daquele dia frio de inverno batia em seu rosto. O sol, tímido, era quase um sol de manhã às duas da tarde, os poucos pássaros que havia nas poucas árvores da cidade cantarolavam como se o dia tivesse acabado de raiar. O moço baforava a fumaça para todos os lados, nervosamente, apesar de seus passos contidos. Atravessou a rua, teve de correr pela ameaça de uma moto que vinha a toda velocidade e, alguns passos mais, chegou à porta da agência. Não havia acabado o cigarro, sempre se perguntava por que acendia cigarros em distâncias curtas, mas nesse caso o nervosismo foi mais forte, era mais uma carta, mais um cupom, mais uma chance de realizar um sonho.

Desceu lentamente os degraus até o balcão ao lado da caixa de correio, dentro da agência: achava mais seguro postar ali e, além disso, precisava de cola. Tomou o envelope com as duas mãos, olhou para ele demoradamente, como se fosse uma despedida. Um sorriso despontou leve de seus lábios e, preocupado, olhou para os lados, não queria parecer louco. Ninguém se apercebia nem dele, nem de ninguém. O balcão de informações fervilhava, enquanto a fila dos guichês permanecia vazia, às moscas. Com o advento da informática, da internet, dos e-mails, pouco se vai ao correio hoje para enviar uma carta comum. Mas ele se preparou, comprou alguns selos, envelopes e, religiosamente, envia cartas de segunda à sexta para seu destino.

O potinho âmbar de cola, com seu pequeno pincel azul, brilhava à sua frente pelos raios de sol que atingiam por uma fresta de porta qualquer. Tomou o pincelzinho delicadamente, tirou o excesso de cola que escorria das cerdas macias e num movimento quase artístico, de pintor, besuntou delicadamente seu envelope, com cuidado para não espalhar pela carta e dificultar a abertura por quem o pegar. Fechou o envelope com cuidado, caminhou até a caixa ao lado, suspirou fundo e depositou na fresta amarelo-gema sua carta, não sem antes suspirar e pedir para a cartinha, por favor chegue ao seu destino.

E repetiu, sem pejo, dia após dia, até que já esquecido de todas as cartas, recebe um telegrama. Abre o pequeno envelope pardo, mãos trêmulas, à beira do descontrole. Rola uma lágrima enquanto seus lábios sussurram para si, descrentes: “Ganhei…”

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